No Próximo dia 4 de abril, às 19h30, Academia Internacional de Cinema de São Paulo (AIC) realizará um bate-papo sobre produção de conteúdo criativo. O evento, organizado pelo ex-aluno do Filmworks David Barkan, diretor da produtora Diretório de Filmes, contará com a presença de Cris Dias, da Ampère, empresa de áudio criativo, Jéssica Queiroz, ex-aluna da AIC e diretora de cena da produtora Paranoid, Paulo Marcelo Do Vale, roteirista e professor da AIC e Tamiris Gomes, creative lead da agência Mutato. Preencha o formulário para se inscrever:
David, que é especialista em Marketing Digital, empreendedorismo e Storytelling, fará a mediação da mesa. “A ideia é conversarmos sobre Conteúdo do ponto de vista criativo. A parceria com a AIC, pra mim, vem do princípio de que quando se estuda cinema, na verdade está se estudando Storytelling, e que isso pode ser aplicado a tudo que é conteúdo”, explicou.
O bate-papo será transmitido ao vivo no Canal da AIC no YouTube. Cadastre-se.
Academia Internacional de Cinema de São Paulo Dia 04/04/2019, às 19h30 Rua Doutor Gabriel dos Santos, 142 – Higienópolis. Fone: +55 11 3660-7883
Para conhecer mais: Desde sua fundação, em 1989, o Memorial da América Latina (www.memorial.org.br), em São Paulo, mantém uma videoteca com mais de duas mil obras, principalmente latino-americanas, e organiza mensalmente mostras desses filmes aos interessados, promovendo ciclos e festivais nacionais e internacionais. As programações podem ser consultadas no Diretório de Eventos na Biblioteca Virtual.
O cinema latino-americano, do qual fazemos parte, abrange os filmes produzidos nas regiões das Américas do Sul e Central cujos idiomas oficiais têm raízes latinas, como o espanhol e o português. Durante muitas décadas, após a popularização do cinema sonoro, quase 90% da produção total de filmes latino-americanos se concentrou somente em três países: Brasil, Argentina e México – que atualmente ainda lideram essa produção cinematográfica, com o ingresso recente de filmes produzidos em Cuba, Chile, Uruguai, Colômbia, Bolívia, Peru e Venezuela.
Para o cineasta mexicano Aarón Fernández, roteirista e professor da Academia Internacional de Cinema (AIC), seu país de origem possui uma das cinematografias mais ativas e criativas das Américas. “Embora os filmes mexicanos não tenham, hoje em dia, a mesma influência que tinham nos anos 1940 e 1950, quando eram vistos em quase todo o continente, e as atrizes e atores admirados por muita gente, sem dúvida é uma cinematografia que, por estar presente nos festivais internacionais de primeiro escalão, tem uma representatividade continental; mas acho que podemos falar isso igualmente dos filmes argentinos, chilenos e brasileiros.”
Para analisar o cinema latino-americano, no entanto, é preciso pensar não apenas em porte e volume de produção independente e crescimento exponencial, mas na organização em torno disso, questão que sempre foi um “calcanhar de Aquiles” para esses países. “Destacam-se exemplos como o de Cuba, com papel crucial no quadro geral, principalmente pela criação do Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográfica (ICAIC), que ajudou a financiar inúmeros projetos em toda a América Latina e ajudou a formar muitos profissionais. Outros expoentes e lideranças na revolução da sétima arte e da criação de um Cinema Novo foram o Brasil (mesmo com uma língua diferente do restante da América Latina, predominantemente espanhola), o Chile, a Argentina e o México”, explica o jornalista e crítico de cinema Filippo Pitanga, professor da AIC.
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A cinematografia latino-americana teve um desenvolvimento lento no que diz respeito à formação de um mercado, por conta do isolamento econômico entre os diferentes países. Por isso, a maior parte de sua produção depende dos espectadores de cada país e de seus mercados internos. Somente por volta dos anos 1960, com o levante dos cineastas revolucionários que contestavam os regimes militares, surgiu a noção de um “cinema latino-americano” como manifestação artística, com identidade própria, explorando os pontos em comum entre os países: o idioma, as temáticas e as propostas estéticas (que buscavam se diferenciar do cinema mainstream).
A indústria cinematográfica da Argentina, particularmente, foi uma das que mais se destacou na América Latina ao longo do século 20, devido ao apoio do governo e do trabalho de uma série de atores e diretores que obtiveram enorme prestígio, além de o país possuir uma maior percentagem de público consumidor dos produtos nacionais. Durante muito tempo, o cinema argentino foi um dos principais representantes dos países de idioma espanhol, tendo recebido a maior quantidade de premiações – incluindo 16 Prêmios Goya e dois Oscars, com A História Oficial / La historia oficial (1985) e O Segredo dos Seus Olhos / El secreto de sus ojos (2009).
Um pouco de história
Um clássico chileno, Tres Tristes Tigres, de 1968
A primeira exibição de cinema do mundo, realizada pelos irmãos Lumière em Paris, na França, aconteceu em 1895. Um ano depois, os equipamentos de filmagem e de projeção já haviam chegado à América Latina, demandando profissionais que pudessem trabalhar na produção de filmes. O fazer cinematográfico se disseminou ainda mais a partir do início do século 20, especialmente no Brasil, na Argentina e no México.
Na década de 1930, a luminosidade privilegiada dos países latinos e também suas paisagens, considerados exóticas, atraíram o interesse de diversos cineastas estrangeiros, entre eles Sergei Eisenstein – um dos maiores nomes do Cinema Soviético. Com investimentos do Fundo Mexicano de Cinema, Eisenstein filmou quase 50 horas de material bruto para o longa-metragem ¡Que Viva México!. O filme seria um retrato da cultura e da política do período anterior à colonização do país até a revolução mexicana; porém, diversos problemas fizeram com que o projeto fosse eventualmente abandonado.
Ainda nos anos 1930, surgiram as primeiras produtoras de cinema na América Latina, entre elas a MexicoFilms (uma empresa estatal) e a Pecusa – Películas Cubanas S.A. (de natureza privada). A ideia era mostrar as paisagens exuberantes e as lindas mulheres latinas, com o intuito de encantar os cineastas de outros países e atraí-los para filmarem nessas regiões.
Com a chegada do cinema sonoro, que se popularizou globalmente nas décadas de 1930 e 1940, os musicais também ganharam destaque. As trilhas dos filmes passaram a ser essenciais e contavam com músicas de compositores famosos, como Carlos Gardel, Agustín Lara, Pedro Vargas, Ernesto Lecuona, Benny Moré e Pérez Prado. Os musicais carnavalescos de Carmen Miranda também contribuíram para levar a cultura dos países tropicais, especialmente uma visão extravagante do Brasil, para os Estados Unidos e o resto do mundo.
Depois da Segunda Guerra Mundial, foi necessária uma nova configuração da cultura cinematográfica na América Latina. Ao mesmo tempo em que os filmes hollywoodianos se tornavam cada vez mais comuns nas salas de cinema dos países latinos, foram criados cineclubes para divulgar as inovações e os cinemas alternativos que estavam sendo produzidos em outros países (como o Neorrealismo Italiano e a Nouvelle Vague Francesa). Em geral, esses cineclubes eram frequentados por estudantes, críticos de cinema e amantes da sétima arte. As revistas especializadas também fizeram enorme sucesso nessa época.
O diretor mexicano Roberto Gavaldón no set de Macario, 1960
A década de 1940 trouxe o auge do “cinema de lágrimas” na América Latina, focado em narrativas melodramáticas, e das comédias, como as rancheiras mexicanas (que se passavam no ambiente rural e tinham um discurso nacionalista) ou as chanchadas brasileiras (filmes de humor ingênuo, burlesco, que eram muito populares junto ao público). Esse período, que se estendeu até os anos 1950, marcou uma fase próspera do cinema nacional, devido ao sucesso de estúdios como a Vera Cruz, em São Paulo, e a Atlântida, no Rio de Janeiro. Outras empresas latino-americanas que prosperaram na época foram a Sono Filmes, na Argentina, e os Estúdios Churubusco, no México.
Embora os filmes norte-americanos tenham dominado as bilheterias do mundo inteiro durante boa parte da história do cinema, os estúdios latinos também possuíam infraestrutura grandiosa e competiam entre si pela atenção dos espectadores. Assim como em Hollywood, na América Latina o star system (ou “sistema de estrelas”) apostava em promover seus próprios astros, como as mexicanas Maria Félix, Ninón Sevilla e Dolores del Río (que também fez carreira nos Estados Unidos), as argentinas Niní Marshall e Libertad Lamarque, a cubana Rita Montaner, e os galãs mexicanos Pedro Armendáriz, Pedro Infante, Jorge Negrete, Fernando Soler, Arturo de Córdova, os atores cômicos Cantinflas e TinTan, e os argentinos Alberto de Mendoza e Arturo García Buhr.
Entre os cineastas mais populares dessa fase estão os mexicanos Juan Orol e Emilio Indio Fernández (diretor de Enamorada, La Perla e María Candelaria) e o cubano Ramón Peón. Esses diretores buscavam explorar os dramas humanos, abordando temáticas que envolviam tragédias e amores impossíveis – inspirados pelos filmes de Hollywood, pelo teatro de revista e pelas populares radionovelas. Da época clássica do cinema mexicano, o professor Aarón Fernández cita ainda os diretores Roberto Gavaldón (La Otra, Macario), Ismael Rodríguez (Nosotroslos Pobres, Los Tres García, Pepe el Toro) e, naturalmente, Luis Buñuel (diretor de Los Olvidados, Nazarín, Tristana, e um dos maiores nomes da vanguarda surrealista).
Uma onda de politização dominou os cinemas latinos ao final da década de 1950, motivada em parte pela Revolução Cubana (1959). A partir dessa movimentação política, foi criado o Instituto Cubano del Arte e Industria Cinematográficos (ICAIC), que contribuiu para que o cinema do país prosperasse. Alguns dos maiores clássicos da produção de Cuba foram realizados nesse momento histórico, incluindo os documentários de Santiago Alvarez e os filmes de Tomás Gutiérrez Alea. O ICAIC também acolheu muitos dos cineastas latino-americanos exilados pelos governos ditatoriais, nas décadas seguintes. Sua criação partiu de uma premissa de discussão sobre o teor de indústria ou de arte do cinema. O instituto defendia o aspecto artístico desse trabalho, que deveria ser produzido de forma crítica e consciente, promovendo a experimentação.
A Atlântida Cinematográfica, no Rio de Janeiro, foi um dos principais estúdios brasileiros.
“O modelo de cinema até a década de 1950, na América Latina, ainda era predominantemente realizado para reproduzir um mercado hegemônico inspirado na indústria americana. Vale ressaltar, inclusive, uma temática tida como ‘higienista’, na qual as ‘questões’ internas de cada país deveriam ser evitadas, porque o cinema – pela mentalidade industrial da época – serviria apenas como um entretenimento escapista, não para gerar reflexões ou críticas quanto ao próprio sistema e o espelhamento da sociedade”, ressalta Pitanga. Contudo, com o crescente advento de estados repressivos e a tendência à importação de filmes estrangeiros pelo circuito exibidor, o sistema do mercado caseiro entrou em colapso. A partir desse contexto, muitos filmes começaram a ser produzidos no circuito independente, com maior liberdade de forma e conteúdo, abraçando temas como as regionalidades periféricas, as diferenças de classe, a discriminação, as questões indígena e racial e a perspectiva da mulher, o que fez com que o cinema latino se tornasse mais heterogêneo.
Nesse sentido, os anos 1960 foram muito importantes para a cinematografia da América Latina. Tanto os filmes ficcionais quanto documentais expressavam as ideias revolucionárias que circulavam pelos meios intelectuais. As teorias de cinema também estavam em seu auge, com a publicação de textos renomados, como Estética da Fome e Estética do Sonho, do cineasta brasileiro Glauber Rocha; Hacia un tercer cine, dos argentinos Fernando Solanas e Octavio Getino; e El cine imperfecto, do cubano Julio García Espinosa. As manifestações artísticas, em geral, passaram a dar voz aos protestos contra os regimes autoritários que se instauravam; desse modo, o cinema, a música, o teatro e as artes plásticas atuavam como instrumentos de intervenção na realidade.
“Alguns movimentos e resistências, tanto na América Latina quanto no mundo, influenciaram fortemente essas mudanças de postura, como a Revolução Cubana, o tropicalismo e o manifesto antropofágico brasileiros, bem como Maio de 68, a Guerra Fria, a Revolução Paz e Amor contra a Guerra do Vietnã, e a independência de países asiáticos e africanos dominados pela colonização – que os impedia, não por coincidência, de fazer cinema, já que o cinema é uma potência identitária que reforça a preservação da memória e a autonomia cultural de um país”, destaca Pitanga.
Inspirados pelo Cinema Novono Brasil, cujos expoentes foram os cineastas Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos, alguns movimentos latinos ganharam fôlego, clamando pelo que foi chamado de Terceiro Cinema (um fazer cinematográfico autêntico, ativista e engajado, próprio dos países subdesenvolvidos, que fugisse da estética e dos ideais hollywoodianos e europeus). Para esses artistas, o papel dos cinemas de Terceiro Mundo era revelar a verdade das coisas.
Glauber Rocha publicou textos importantes para o cinema latino, como textos renomados, como Estética da Fome e Estética do Sonho – foto VejaAbril.
Outros diretores que abraçaram as propostas do novo cinema latino-americano e se tornaram expoentes desse período foram os argentinos Fernando Solanas (que foi exilado após o ator principal de seu filme Los Hijos de Fierro, Julio Drexler, ter sido assassinado), Leonardo Favio (de Crónica de um Niño Solo) e Octavio Getino; os cubanos Tomás Gutiérrez-Alea (Memórias do Subdesenvolvimento) e Santiago Alvarez (com trabalhos de found footage, como em 79 Primaveras); e os chilenos Raúl Ruíz (que dirigiu desde clássicos, como Tres Tristes Tigres e La Colonia Penal, até modernas coproduções internacionais, como Klimt), Miguel Littin (El Chacal de Nahueltoro) e Lautaro Murúa (renomado ator, nascido chileno, mas que trabalhou e dirigiu filmes na Argentina, como Shunko e Alias Gardelito).
O que unia os cinemas latinos, em uma época tão conturbada política e socialmente, era o espírito revolucionário. Na Argentina, foi criado o Grupo Cine Liberación e lançado o filme La Hora de los Hornos (1968), um verdadeiro manifesto político. No Uruguai, criou-se a Cinemateca del Tercer Mundo (1969-1973), que exibia filmes latinos de caráter crítico e militante, apostando na metáfora da câmera como uma arma de mudança social. Na Bolívia, o diretor Jorge Sanjinés produziu documentários que abordavam as problemáticas da população indígena, como Ukamau (1966). No México, destacaram-se, sobretudo, dois cineastas: Arturo Ripstein e Paul Leduc. Os festivais de cinema (como o de Viña del Mar, no Chile, e as Mostras de Cinema Documental Latino-Americano em Mérida, na Venezuela), tornaram-se importantes pontos de encontro para realizadores e cinéfilos, fundamentando as bases do movimento Nuevo Cine Latinoamericano.
A institucionalização do cinema latino se deu em 1969, no Brasil, com a criação da Embrafilme, e na Argentina com o Instituto Nacional de Cinema, enquanto no Chile era fundada a Chile Films. Embora a televisão conquistasse cada vez mais popularidade entre o público, o cinema permanecia ativo como um espaço de encontro e de discussão, principalmente política. Nesse contexto, foi imprescindível o Encontro de Cinema Latino-americano de 1967, organizado por figuras como o cubano Alfredo Guevara, fundador do ICAIC, o chileno Aldo Francia, do Cine Club de Viña del Mar (realizador do clássico Valparaiso mi amor), e o argentino Edgardo Pallero (que produziu Los Hijos de Fierro).
A brasileira Helena Solberg foi uma das cineastas que despontaram no cinema latino nos anos 1960
É necessário citar também as mulheres desse período, geralmente invisibilizadas. A respeito disso, Filippo Pitanga cita a colega Daniela Gillone, em texto publicado na página Horizontes ao Sul: “Nesse cinema em que se evidenciaram homens no comando de projetos políticos, poucos estudos se dedicam à história das mulheres cineastas latino-americanas, e como as mesmas lidaram com as questões políticas no cinema clássico e nesse cinema militante. Nora de Izcue, dirigiu filmes no Peru e coproduções com o Instituto Cubano nos anos 1970. Helena Solberg produziu A Entrevista no Brasil de 1966. Há ainda as cineastas chilenas exiladas Valeria Sarmiento e Marilú Mallet e a venezuelana Josefina Jordán, que atuava e dirigia. […] Além delas, encontram-se as diretoras do período clássico, como a mexicana Adela Sequeyro e a brasileira Carmen Santos.”
Na década de 1970, diversos países da América Latina ainda eram governados por militares, o que obrigou cineastas a se exilarem em outros países, principalmente na Europa. No entanto, houve aqueles que optaram pela resistência aos governos ditatoriais, como o grupo argentino Cine de la Base, que distribuía seus filmes clandestinamente e defendia a solidariedade internacional. No Chile, embora a produção de relevância tenha caído consideravelmente durante o golpe de Pinochet, devido ao exílio de inúmeros artistas, a oposição ao regime se manifestou em obras como La Batalla de Chile (1975-1976). Em 1979, também foi criado o Festival Internacional del Nuevo Cine Latinoamericano, em Havana, Cuba, para manter vivos os ideais dos cineastas revolucionários.
As dificuldades financeiras fizeram com que o cinema latino-americano passasse por um período de estagnação nos anos 1980, já que havia uma enorme dependência da produção cultural em relação ao estado – a maioria dos filmes era produzida por meio de incentivos fiscais ou com o apoio de instituições governamentais. Aliado a esse problema estava o desencanto do público com os filmes nacionais, especialmente quando comparados às superproduções norte-americanas. Para retomar a popularidade junto ao público, muitos cineastas buscaram fórmulas fáceis, como comédias ou adaptações literárias. Segundo Aarón Fernández, nessa época despontaram no México algumas cineastas mulheres, entre as quais Maria Novaro, Marisa Sistach e Dana Rotberg. “Alfonso Cuarón e Guillermo del Toro também fizeram seus primeiros filmes, antes de migrarem para Hollywood”, conta o professor.
Entre os anos 1990 e 2000, deu-se uma nova onda criativa em países como o Brasil, a Argentina, o México, o Uruguai e o Chile. Os filmes produzidos nessa época retratavam com realismo a população marginalizada, focando em dilemas da sociedade contemporânea, como a violência urbana. Alguns diretores se arriscaram a abordar feridas recentes, como as ditaduras militares (exemplo disso foi O que é isso, Companheiro?, de Bruno Barreto, que chegou a ser indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro, em 1998). Entre os destaques desse período estão os argentinos Lucrécia Martel, Pablo Trapero, Daniel Burman e Juan Jose Campanella, os mexicanos Alejandro González Iñárritu (que posteriormente teve uma bem sucedida carreira nos Estados Unidos, sendo vencedor de diversos Oscars por filmes como O Regresso / The Revenant e Birdman), Alfonso Arau, Everardo González, Carlos Reygadas, Amat Escalante, Julio Hernández Cordón e Mariana Gajá, os uruguaios Juan Pablo Rebella e Pablo Stoll, o cubano Tomás Gutiérrez Alea e o chileno Andrés Wood.
Alejandro González Iñárritu com Javier Bardem nas filmagens de Biutiful.
No Brasil, os expoentes da chamada Retomada do cinema brasileiro foram Walter Salles, Fernando Meirelles, Bruno Barreto, Laís Bodanzky e Carla Camurati, entre outros. O cinema contemporâneo do país foi muito impulsionado pelo sucesso de Cidade de Deus, de Meirelles (indicado ao Oscar de melhor direção, em 2004), seguido por José Padilha, Cláudio Assis e Karim Aïnouz. Essas produções ganharam visibilidade no exterior, recebendo premiações em festivais internacionais, o que garantiu algum retorno financeiro para seus realizadores, estimulando também o surgimento de uma nova leva de jovens cineastas. Cada vez mais, o cinema nacional ganha fôlego, conquistando os brasileiros. Segundo dados da Ancine, o público que assistiu a filmes nacionais em 2017 dobrou com relação a 2012, de cerca de 15 mil para 30 mil espectadores.
De acordo com Filippo Pitanga, o cinema precisa subsistir não apenas como expressão artística, mas como viabilidade de produção geradora de empregos, com retorno autossustentável. “A verdade é que nem o maior sucesso local de cada país latino-americano consegue alcançar, internamente, a bilheteria caseira de um blockbuster estrangeiro. A influência estrutural arraigada na sociedade é forte e costuma passar na peneira para produções locais, especialmente em afinidades mais comerciais com o grande público, como o movimento da chamada ‘globochanchada’, na contemporaneidade brasileira, de comédias com núcleos tirados da TV e da mistura de esquetes adaptadas do cinema norte-americano e da brasilidade típica (como já eram as chanchadas da Atlântida)”, lembra o professor. Entretanto, segundo Pitanga, existe uma oposição de novas ideias que contradizem o sistema e que mantêm a resistência necessária para que o meio não se torne engessado – exemplos disso são as demandas de representatividade da “primavera das mulheres” e a “primavera étnico-racial”, que constituem o atual ponto de tensão com o cinema hegemônico.
Principais características estéticas
Lucrecia Martel, um dos grandes nomes do cinema argentino contemporâneo,
Entre as produções latino-americanas, destaca-se o cinema de autor dos anos 1960, com sua estética preocupada em despertar a reflexão política e retratar o universo periférico dos países de Terceiro Mundo. O foco estava nas experimentações, influenciadas pela onda vanguardista dos movimentos artísticos europeus. O chamado novo cinema latino-americano também tinha um caráter nacionalista e contestador, anti-imperialista, dando voz às camadas marginalizadas da sociedade. Era um cinema de postura crítica, voltado à criação de uma identidade latina, na contramão da dominação norte-americana.
Aspectos marcantes desse período abrangem a ruptura da linearidade narrativa e discursiva, a multiplicidade de pontos de vista, o uso de voz em off, a manipulação de imagens de arquivo para gerar novos sentidos, a mistura de ficção e documentário, além da busca por originalidade e do uso de recursos metafóricos e alegóricos, que afastavam os filmes do modelo comercial focado no entretenimento que se via nas produções de Hollywood.
Nos anos 1970, houve uma mudança significativa na estética dos filmes produzidos na América latina. Os regimes militares levaram ao exílio de muitos cineastas, o que praticamente paralisou a produção cinematográfica em diversos países latinos. No Brasil, a criação da Embrafilme trouxe investimentos essencialmente para os projetos que se adequassem às demandas do governo, servindo como uma espécie de propaganda institucional. A censura também exerceu um papel fundamental no teor das obras produzidas, que passaram a se pautar por um forte moralismo, evitando palavrões e figurinos ousados. Filmes considerados “subversivos”, que não passavam por esse crivo, eram obrigados a circular na clandestinidade e tratados como ameaça à segurança nacional. A censura só terminou, de fato, com a Constituição de 1988; a Embrafilme, por sua vez, foi substituída pela Ancine, a Agência Nacional do Cinema, inaugurada em 2001.
Nessa época, as características estéticas da produção latino-americana contemporânea se afastaram muito daquelas empregadas durante os anos 1960 e 1970, reaproximando-se do cinema mainstream para conquistar sucesso comercial. Alguns cineastas isolados mantiveram suas propostas temáticas e estilísticas inovadoras; porém, muitos se adequaram ao padrão hollywoodiano para obter recursos. Uma característica compartilhada pelos cinemas da América Latina, a partir dos anos 1980 até os dias de hoje, é o desconhecimento da produção dos países vizinhos, já que os cinemas nacionais são geralmente voltados para seu próprio público.
Ao longo das décadas de 1990 e 2000, a tendência do cinema latino-americano, principalmente no Brasil, foi para narrativas focadas no indivíduo/personagem e não no contexto, priorizando a qualidade e a precisão técnicas. O resgate das raízes nacionais se manifestou por meio de temáticas históricas, mas sem o caráter de denúncia política do Cinema Novo. Além disso, o retrato das camadas marginalizadas da população passou a ser usado como característica estética – exemplos disso são os longas Amores Brutos (2000), do mexicano Alejandro González Iñárritu; o brasileiro Central do Brasil (1998), de Walter Salles; e o argentino Nove Rainhas (2000), de Fabián Bielinsky. Hoje, as tendências apontam para a busca dos cineastas por uma linguagem pessoal e a exploração das temáticas dos indivíduos subalternos.
Mais recentemente, as políticas públicas de incentivo e investimento no setor da cultura, obrigação constitucional prevista em Lei no Brasil, passaram a atuar na preservação da memória e na formação de uma identidade reflexiva para o país e suas futuras gerações. “Essas iniciativas foram responsáveis pela descentralização das produções contemporâneas; que não são mais financiadas apenas no Sudeste brasileiro, por exemplo, migrando para regiões antes não contempladas, ou que, mesmo quando retratadas anteriormente no cinema, como o Nordeste brasileiro ou as favelas periféricas, não lhes era permitido ter voz como sujeitos da ação nas principais funções criativas, sendo tratados como objetos de um criador estrangeiro no próprio país”, completa Pitanga.
Legado para o cinema
O longa argentino o Segredo dos Seus Olhos recebeu o Oscar de melhor filme estrangeiro em 2010
O conceito de cinema de Terceiro Mundo que surgiu na América Latina durante a década de 1960, apesar de muito influenciado por movimentos vanguardistas europeus, deixou seu legado único para a sétima arte, fundamentando as bases para a criação de filmes engajados política e socialmente, preocupados com questões ideológicas – incluindo-se, aqui, o Cinema Novo brasileiro.
“Glauber Rocha foi uma pessoa central, que manteve contato com inúmeros outros cineastas brasileiros e latinos em prol de uma união das diferenças que nos potencializavam. A famosa frase de Glauber já diz muito: ‘Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça’, pois são palavras que significam a democratização dos meios, a independência dos grandes estúdios, de locações externas, e a liberdade criativa não subordinada aos grandes produtores”, explica Pitanga. “Filmes como Terra em Transe são cruciais para entendermos como o cinema criava um olhar opositivo e catártico sobre seu entorno. Assim como Os Fuzis, de Ruy Guerra, ABC da Greve, de Leon Hirszman, ou mesmo A Entrevista, de Helena Solberg – uma das únicas cineastas mulheres, considerada parte indissociável do Cinema Novo, numa época em que os modos de produção ainda eram essencialmente excludentes e patriarcais.” Vale ressaltar, sobre a influência do cinema brasileiro na América Latina, o exemplo de Helena Solberg: mesmo exilada nos EUA, ela ainda conseguiu realizar diversos filmes em meio às revoluções latinas, com foco na perspectiva das mulheres – como The Emerging Woman, trabalho pioneiro que retrata a evolução do feminismo no continente americano.
É importante observar ainda que, nos anos 1960, despontou na cultura latino-americana uma movimentação de cinemas que buscaram se alinhar contra o imperialismo norte-americano, em especial contra a hegemonia da indústria cinematográfica de Hollywood, para que pudesse ser estabelecida uma unidade latina de teor crítico, realista, popular e revolucionário. A flexibilidade dos artistas para se adaptarem às diferentes situações e condições sociais também foi uma característica marcante desse cinema, que inspirou inúmeros cineastas do Terceiro Mundo nas décadas seguintes.
O espaço simbólico periférico, retratado nos filmes daquele período, passou a ser assumido como parte de uma estética própria, sem medo de revelar a realidade social cotidiana dos países subdesenvolvidos. A criatividade para lidar com as limitações de produção e com os mecanismos de censura deu vazão a uma expressão artística inovadora, repleta de complexidades. Além disso, as produções dos países mais ativos cinematograficamente na América Latina (especialmente Brasil, Argentina e México) influenciou de maneira significativa os demais cinemas latinos.
Uma possibilidade que se abre de maneira ampla, atualmente, é a produção cinematográfica em parceria entre os países latino-americanos. Nesse sentido, o cineasta Aarón Fernández é otimista: “Existe diálogo entre o Brasil e o México, uma vez que são países muito próximos e que têm tudo a ganhar se aproximando ainda mais, juntando forças e investimentos. Este ano, saiu o edital de coprodução bilateral Brasil-México, o qual espero que seja mantido pelo novo governo e que seja só o começo de uma possível grande parceria entre as duas cinematografias mais importantes do continente.”
*Texto e pesquisa Katia Kreutz. Foto em destaque de Duda Tavares da atriz argentina Ines Efron, que esteve na Semana de Orientação da AIC na inauguração da unidade do Rio de Janeiro.
Steven Richter, diretor de desenvolvimento e fundador da Academia Internacional de Cinema. Foto: Cora Coronel
Que cineasta não sonha em ver seu filme numa tela grande e, quem sabe, até receber algum prêmio? Para muitos realizadores, os festivais de cinema estão entre as melhores formas de conseguir alguma visibilidade, sejam para diretores estreantes ou veteranos. “É uma maneira de mostrar seu filme localmente, nacionalmente ou internacionalmente. Dependendo da importância do festival em que o filme é exibido, ele pode ser visto por críticos, aparecer online ou ganhar espaço na mídia impressa”, afirma Steven Richter, diretor de desenvolvimento e fundador da Academia Internacional de Cinema (AIC). A maioria dos festivais oferece prêmios, alguns dos quais podem ser até mesmo em dinheiro. Independentemente da premiação, vencer uma competição dessas não serve apenas para dar ao artista a sensação de reconhecimento por sua obra, mas também eleva a imagem do filme e pode garantir sua entrada em outros festivais, além de aumentar as chances de encontrar distribuidores dispostos a apostar nele. Isso vale especialmente para prêmios recebidos nos festivais mais concorridos – como Cannes, Veneza, Berlim, Toronto, Sundance, TriBeCa ou SXSW. De todo modo, qualquer divulgação é sempre valiosa para cineastas independentes.
Muitos dos espectadores nas exibições dos grandes festivais são profissionais da imprensa e distribuidores procurando por filmes que possam entrar em sua cartela de venda. Por isso, os produtores precisam ficar atentos não somente a possibilidades de distribuição dentro de seu próprio país, como também internacionalmente. Até mesmo os longas de estúdios muitas vezes buscam ter suas premieres em festivais, já que eles são conhecidos por dar aos filmes exibidos visibilidade e credibilidade no mercado cinematográfico.
Do Brasil para o mundo
Alfonso Cuarón recebeu o Leão de Ouro em Veneza por seu longa Roma
Em geral, filmes que fizeram uma carreira bem sucedida em festivais nacionais de grande porte têm maiores chances de serem aceitos nos internacionais. No entanto, nada impede os realizadores de tentarem a maior quantidade possível de inscrições.
Nesse caso, é preciso estar preparado para as respostas negativas, porém ser selecionado em um evento fora do país pode alavancar seu trabalho – seja ele de curta ou longa-metragem – para um outro patamar.
Antes de inscrever seu filme em um festival, vale observar o perfil das obras aceitas e verificar se as exigências do regulamento são compatíveis com ele. “O que pode acontecer é que muitos festivais internacionais que recebem filmes de outros países frequentemente aceitam apenas um certo número de trabalhos estrangeiros. Por exemplo, se um festival norte-americano recebe uma porção de filmes brasileiros e noruegueses, provavelmente eles tentarão equilibrar um pouco esses números – a menos, é claro, que o festival seja voltado ao cinema de um país ou região específica”, explica Steven Richter.
De acordo com Richter, há diversos festivais voltados a filmes brasileiros nos Estados Unidos – em Miami e Los Angeles, por exemplo. “Portland também tem um Festival Latino-Americano. Esses são bons locais para os cineastas do Brasil tentarem a sorte. Qualquer lugar do mundo que tenha uma população com imigrantes latino-americanos ou brasileiros pode ter um festival focado em filmes que valorizem essas origens”, ressalta o diretor. Para cineastas estreantes, festivais com categorias que buscam “descobrir novos talentos” são os mais indicados. É importante ir atrás de prêmios que se posicionem como descobridores de novas vozes no cinema, com categorias como “primeiro longa-metragem” ou “novos diretores”. São festivais que dedicam tempo e recursos para realmente assistir a cada filme enviado e buscam materiais inéditos. Além disso, muitos eventos possuem categoriais para filmes de estudantes, o que é ótimo para quem está começando e precisa de uma plataforma de exibição do seu trabalho.
Passo a passo
Hirokazu Kore Eda, diretor de Assunto de Família, recebeu a Palma de Ouro das mãos de Cate Blanchett no Festival de Cannes, 2018
Assim, uma trajetória possível para cineastas amadores seria começar submetendo seus curtas em festivais de filmes estudantis, ou seções de festivais maiores voltados especificamente a filmes de estudantes, para então se inscrever em festivais de curtas, passando em seguida para categorias de “novos diretores” ou “primeiros filmes” em festivais de longas-metragens. Naturalmente, essa ordem pode ser alterada, mas pode ser encarada como um caminho básico rumo a uma carreira consistente e bem sucedida em festivais – principalmente no que diz respeito aos internacionais. Nesse caso, desconsiderando os que exigem ineditismo, é interessante tentar primeiro ser aceito em festivais dentro do próprio país, para depois ganhar o mundo.
Fique atento também ao perfil do seu trabalho, para escolher o festival certo. “Considerando que seu filme seja de temática LGBQT, ele pode ser enviado para um festival como o Mix Brasil ou o Outfest, nos Estados Unidos. Ou então, se é um filme de terror, pode ser mandado para o Sitges, na Espanha, ou o Fantaspoa, em Porto Alegre. Se o filme é sobre crianças ou para o público infantil, há festivais para isso também; assim como há festivais para cineastas mulheres, como o POW, em Portland. Qualquer que seja seu nicho ou gênero, há um festival para seu filme”, destaca Richter.
Brigitte Bardot no Festival de Cannes, 1953
Essa “lição de casa” precisa ser feita: pesquisar que tipos de filmes cada festival aceita, quais são as datas de submissão do material, o que exatamente deve ser enviado e por quais meios (físicos ou digitais). No entanto, o primeiro passo é ter consciência de que uma carreira no cinema em geral se inicia dessa forma. “Não se preocupe com a rejeição”, conclui o diretor. “Deixe que as respostas negativas o incentivem a fazer melhor. Seja grato por estar em um campo competitivo que produz entretenimento, sim, mas também arte.
Você faz parte de um seleto grupo que luta para fazer filmes bons e, uma vez que conseguir sua chance, tudo será ainda mais significativo.”
Principais premiações ao redor do mundo
Entre os grandes festivais de cinema do mundo, talvez o mais badalado seja o Festival de Cannes, na França. A famosa Palma de Ouro é cobiçada por muitos diretores independentes que desejam se tornar mainstream. Ao longo de seus 71 anos de existência, o festival se tornou uma espécie de ponto de encontro para profissionais do cinema mundial, com direito a tapete vermelho e festas luxuosas à beira da Riviera francesa. Contudo, apesar de todo o glamour envolvendo a seleção de longas-metragens, o festival também premia curtas-metragens e jovens realizadores.
Quentin Tarantino despontou no Festival de Sundance com Cães de Aluguel
Outro evento de enorme importância no cenário cinematográfico mundial é o Festival Internacional de Veneza, na Itália. Os filmes são exibidos no renomado Palazzo del Cinema di Venezia, como parte de um evento cultural maior, a Bienal de Veneza. Fundado em 1932, é o festival mais antigo do mundo e premia seus vencedores com o Leão de Ouro. Nos últimos anos, o evento tem se estabelecido como uma “prévia dos Oscars”, já que aumentou a quantidade de produções norte-americanas em sua seleção e recebeu as premieres de vários filmes posteriormente “oscarizados”, como Gravidade / Gravity (2013), Birdman (2014), Spotlight (2015), La La Land (2016) e A Forma da Água / The Shape of Water (2017).
A tríade dos festivais europeus mais significativos se completa com o Festival de Berlim, também conhecido como Berlinale, na Alemanha. Fundado em 1951, logo após a Segunda Guerra Mundial, seu objetivo era criar uma vitrine do cinema mundial na cidade. Durante duas semanas, em geral no mês de fevereiro, a cidade fervilha com exibições de aproximadamente 400 filmes e festas repletas de pessoas famosas. Com quase meio milhão de ingressos vendidos todos os anos, o festival é o que recebe a maior quantidade de espectadores no mundo. O prêmio entregue aos vencedores é o famoso Urso de Ouro.
Guillermo Del Toro e o elenco de A Forma da Água no Festival de Veneza (Photo by Pascal Le Segretain/Getty Images)
Já nos Estados Unidos, o destaque entre os festivais de cinema independentes é o Sundance Film Festival. Um dos mais celebrados e reconhecidos festivais do mundo, foi criado por uma organização sem fins lucrativos fundada pelo ator Robert Redford. Apostando em filmes produzidos fora dos circuitos dos grandes estúdios, o evento já revelou grandes nomes, entre eles Quentin Tarantino. O mesmo pode ser dito do Tribeca Film Festival, em Nova York, e do SXSW Film Festival (ou South by Southwest), que acontece na cidade de Austin. Toronto, no Canadá, também se tornou sinônimo de cinema com o TIFF (ou Toronto International Film Festival). Fundado em 1976, o evento agora é um palco para futuros candidatos ao Oscar, antecipando a chamada “awards season” (ou temporada de premiações). São mais de 300 filmes exibidos, de dezenas de países, prezando pela diversidade cultural, o que favorece as produções independentes. A revista Variety chegou a afirmar que o TIFF estaria atrás apenas de Cannes no que diz respeito a celebridades e oportunidades de negócios para profissionais do cinema, tamanha influência que o festival conquistou.
As inscrições para o Kannibal Fest – Festival Internacional de Curtas-Metragens de Berlim estão abertas até o dia 15 de maio. Os interessados podem se inscrever gratuitamente no site do evento.
O festival, que está em sua 4° edição, recebe curtas-metragens de até 20 minutos, nas categorias animação, documentário, experimental e ficção devidamente legendados em alemão ou inglês. As obras não precisam ser inéditas, mas a data de produção não pode ser anterior a janeiro de 2017.
O Kannibal Fest – Festival Internacional de Curtas-Metragens acontece entre julho e agosto de 2019, em Berlim, Alemanha.
O curta silencioso Raja Harishchandra, de 1913, foi o primeiro filme produzido na Índia.
O cinema indiano mainstream, muitas vezes referido como Bollywood, abrange uma indústria de filmes predominantemente no idioma hindi, produzidos em Mumbai (também conhecida como Bombaim), a maior e mais importante cidade da Índia. O termo é uma junção das palavras “Bombaim” e “Hollywood”, já que Bollywood é responsável pela realização dos filmes indianos de grandes orçamentos, assim como um dos maiores centros de produção cinematográfica do planeta.
A indústria de cinema indiana é a maior do mundo em termos de produção, tendo lançado em 2017 quase dois mil longas-metragens. Bollywood é certamente a maior produtora do país, com 364 filmes produzidos anualmente (segundo estatísticas do ano passado), representando 43% das bilheterias no país; sendo a porcentagem restante preenchida por cinemas regionais. Com relação à popularidade dos filmes, as bilheterias vendem anualmente o impressionante número de 3,6 bilhões de ingressos para longas indianos, enquanto que as produções norte-americanas hollywoodianas ficam em torno de 2,6 bilhões por ano.
De acordo com o cineasta indiano Ram Devineni, Bollywood é uma indústria que tenta emular o encanto e a popularidade de Hollywood. “Bollywood é a denominação da forma mais apreciada de filmes feitos em hindi. Desse modo, representa o cinema popular indiano, embora não signifique que seja necessariamente bom. Há muitas produtoras regionais fazendo filmes mais sinceros e artísticos, mas eles não conquistam a mesma popularidade”, ressalta.
Um pouco de história
Alam Ara, de 1931, foi o primeiro longa-metragem feito na Índia.
O cineasta Dadasaheb Phalke é considerado o precursor do cinema indiano, inclusive de Bollywood. Seu curta-metragem silencioso Raja Harishchandra (1913) foi o primeiro filme produzido na Índia. Com a chegada do cinema sonoro, Ardeshir Irani dirigiu o primeiro filme falado do país, o longa Alam Ara (1931). Alguns anos depois, Moti B. Gidwani foi responsável por dirigir o primeiro longa-metragem em cores no idioma hindi, Kisan Kanya (1937). Já nessa época, a indústria indiana produzia mais de 200 filmes por ano e vinha obtendo grande sucesso comercial.
Embora houvesse um enorme mercado para filmes falados e musicais, os anos 1930 e 1940 foram tumultuados na Índia, uma vez que o país foi muito afetado pela Grande Depressão e pela Segunda Guerra Mundial, além de passar por conflitos internos relativos à sua independência. Nesse contexto, os filmes de Bollywood surgiram como formas de escapar um pouco da dura realidade – embora diversos cineastas indianos do período tenham abordado temas sociais e políticos em suas histórias.
Em 1947, quando a Índia se tornou independente dos ingleses e o território foi dividido entre República da Índia e Paquistão, a indústria cinematográfica de Bombaim (Bollywood) atuava diretamente com os profissionais da cidade paquistanesa de Lahore (indústria essa que hoje é chamada de Lollywood), já que ambas produziam filmes em hindi-urdu, ou hindustani. Por esse motivo, muitos atores e cantores paquistaneses acabaram migrando para Bombaim.
Os anos 1950 e 1960 marcaram a Era de Ouro de Bollywood, quando os filmes em cores já eram muito populares e os romances e melodramas musicais com produções elaboradas faziam sucesso nas salas de cinema. Alguns dos mais aclamados filmes indianos de todos os tempos foram produzidos nessa época, entre eles Pyaasa (1957) e Flores de Papel / Kaagaz KePhool (1959), dirigidos por Guru Dutt; O Vagabundo / Awaara (1951) e Shree 420 (1955), de Raj Kapoor; e Fantasia Oriental / Aan (1952), dirigido por Mehboob Khan. Esses longas tratavam de personagens da classe trabalhadora indiana, particularmente abordando a vida urbana: O Vagabundo, por exemplo, apresentava a cidade como um pesadelo e um sonho.
Honrarás Tua Mãe, de 1957, foi o primeiro filme indiano a ser indicado a um Oscar.
Honrarás Tua Mãe / Mother India (1957), de Mehboob Khan, foi o primeiro longa indiano a ser indicado para um Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, o qual acabou não vencendo. Ainda assim, o filme foi extremamente relevante e definiu o que seria convencionado como o cinema hindu por muitas décadas subsequentes. Honrarás Tua Mãe influenciou também Gunga Jumna (1961), de Nitin Bose, um drama criminal sobre dois irmãos em lados opostos da lei – tema esse que se tornou comum em filmes indianos desde então. Já o longa Madhumati (1958), dirigido por Bimal Roy, popularizou as histórias sobre destino e reencarnação.
Entres os anos 1950 e 1960, foram produzidos alguns dos mais famosos filmes épicos do cinema bollywoodiano, entre eles Mughal-e-Azam, de K. Asif (1960), estrelando Dilip Kumar, reconhecido como um dos grandes atores indianos, por seu método de atuação pioneiro. Entre as estrelas mais influentes de Bollywood, ao lado de Kumar, estão Raj Kapoor (que fazia um estilo “vagabundo”, inspirado por Charlie Chaplin) e Dev Anand (que seguia o exemplo de atores mais “suaves”, como Gregory Peck e Cary Grant). No que diz respeito às atrizes do período, destacam-se Suraiya, Nargis, Sumitra Devi e Madhubala.
Flores de Papel, de 1959, é considerado como um dos maiores dramas do cinema indiano.
Ao mesmo tempo em que o cinema comercial de Bollywood fazia um enorme sucesso nas bilheterias, surgiu na Índia o movimento de Cinema Paralelo. Embora tenha conquistado maior proeminência na região de Bengala, também teve alguma representação de filmes em hindi. O movimento é conhecido pelas temáticas sociopolíticas, buscando o realismo e o naturalismo, com o uso de elementos simbólicos e a rejeição das populares sequências musicais tão comuns no cinema indiano mainstream. O Cinema Paralelo obteve grande sucesso de crítica, o que pavimentou o caminho para o surgimento do Neorrealismo Indiano (1944 a 1952) e do Cinema Novo Indiano (1958 até o final dos anos 1960).
Entre as décadas de 1960 e 1970, a indústria cinematográfica indiana foi dominada por filmes com protagonistas que personificavam o ideal de “herói romântico”, sendo Rajesh Khanna o mais popular de todos. Khanna foi o primeiro ator indiano a ser considerado uma “super estrela” de cinema, tendo protagonizado nada menos do que 15 grandes sucessos consecutivos, de 1969 a 1971.
Nos anos 1970, iniciou-se aquela que ficou conhecida como a Era Clássica de Bollywood, que durou até meados dos anos 1980. Foi também quando surgiu o termo “Bollywood”, marcando o momento histórico em que a Índia tomou dos Estados Unidos o posto de maior indústria cinematográfica do mundo. A criação do nome que une “Bombaim” a “Hollywood” é creditada a várias pessoas, incluindo o cineasta Amit Khanna e a jornalista Bevinda Collaco. No entanto, muitos acreditam que essa denominação diminui a relevância do cinema indiano, como se ele fosse uma espécie de “primo pobre” de Hollywood.
Ainda nos anos 1970, durante o auge do cinema bollywoodiano, a dupla de roteiristas conhecida como Salim-Javed (Salim Khan e Javed Akhtar) trouxe uma mudança de paradigmas que revolucionou toda a indústria. Para superar a estagnação pela qual os filmes musicais românticos de Bollywood passavam, Salim e Javed introduziram histórias de gênero, marcadas por conflitos violentos mostrando o submundo do crime em Bombaim. Essas novas temáticas revitalizaram o mercado cinematográfico, com filmes retratando ambientes urbanos e contemporâneos, refletindo o descontentamento e a precariedade da vida nas grandes cidades – assuntos com os quais as massas se identificavam. Surgiu então a figura do “jovem homem revoltado”, personificada pelo popular ator Amitabh Bachchan. Entre os filmes mais famosos desse período estão Zanjeer (1973), dirigido por Prakash Mehra, e Deewaar (1975), de Yash Chopra, ambos protagonizados por Bachchan.
Salim e Javed, dupla de roteiristas que revolucionou Bollywood
Muitas das estrelas do cinema de Bollywood, tanto atores quanto diretores, tiveram carreiras bem sucedidas que duraram várias décadas. Madhuri Dixit é considerada uma das maiores atrizes do cinema indiano, por seu sucesso comercial e de crítica entre as décadas de 1980 e 1990. Mais recentemente, a partir dos anos 2010, uma nova geração passou a ganhar fama. Entre os atores mais populares nos dias de hoje estão Ranbir Kapoor, Ranveer Singh, Varun Dhawan, Sidharth Malhotra, Sushant Singh Rajput, Arjun Kapoor, Aditya Roy Kapur e Tiger Shroff. Entre as atrizes, Vidya Balan, Kangana Ranaut, Deepika Padukone, Sonam Kapoor, Anushka Sharma, Sonakshi Sinha, Jacqueline Fernandez, Shraddha Kapoor e Alia Bhatt. As duas primeiras conquistaram enorme reconhecimento por protagonizarem filmes voltados ao público feminino, como The Dirty Picture (2011), Kahaani (2012), Queen (2014) e Tanu Weds Manu Returns (2015).
Segundo Ram Devineni, os “reis” do cinema de Bollywood atualmente são chamados de os Três Khans: os atores Shah Rukh Khan, Salman Khan e Aamir Khan. “Shah Rukh Khan é mais popular e tem mais fãs do que Tom Cruise, mas ele não é tão conhecido nos Estados Unidos, especialmente se comparado a Aamir Khan, cujo filme Lagaan: Era uma Vez na Índia / Lagaan (2001) foi indicado para um Oscar. Já Salman Khan é mais famoso junto à classe trabalhadora na Índia”, conta o cineasta.
Principais características estéticas
Cena de Bombay, de 1995, dirigido por Mani Ratnam
De acordo com Devineni, sequências de música e dança têm sido uma característica padrão nos filmes de Bollywood desde os anos 1960, quando os musicais hollywoodianos se popularizaram no mundo. “Esses elementos permaneceram nos filmes indianos, mesmo depois que Hollywood passou a seguir outras tendências. Sequências musicais ainda são muito populares porque a maioria dos filmes de Bollywood são melodramas, semelhantes às novelas de televisão no Brasil. As músicas levam a atuações exageradas e histórias melodramáticas. Além disso, a Índia é um país muito musical. Às vezes as músicas das trilhas sonoras de Bollywood fazem mais sucesso e dinheiro do que os próprios filmes”, explica. É comum, inclusive, que as músicas sejam lançadas antes da estreia dos filmes, para que o público já esteja familiarizado com elas e também para atrair os espectadores ao cinema.
Pode-se dizer que, em suas origens, os filmes de Bollywood foram inspirados por textos clássicos como o Mahabharata (obra monumental, com mais de 74 mil versos em sânscrito, atribuída a Krishna Dvapayana Vyasa e considerada um dos maiores épicos da cultura indiana) e o Ramaiana (outro épico em sânscrito, com 24 mil versos, atribuído ao poeta Valmiki e parte importante do cânon hindu, cuja tradução significa “a viagem de Rama”). Essas histórias influenciaram o processo de pensamento e de criação dos filmes populares indianos, particularmente no que diz respeito à construção de narrativa – por exemplo, com o uso de subplots e dispersões narrativas.
Madhuri Dixit é uma das maiores estrelas do cinema bollywoodiano
Outro aspecto dos dramas em sânscrito que passou para os filmes de Bollywood é a natureza estilizada e com ênfase no espetáculo das histórias, nas quais a combinação entre música e dança cria uma unidade artística vibrante que se torna indispensável à experiência dramática. Esse elemento é um dos diferenciais do cinema indiano, particularmente do bollywoodiano, com relação à cultura ocidental.
A estética dos filmes de Bollywood também traz elementos do teatro folclórico tradicional da Índia, que se tornou popular no país no século X, com o declínio do teatro sânscrito. O teatro Parsi do início do século XX, mais voltado ao entretenimento, foi outra grande fonte de inspiração, já que misturava realismo e fantasia, música e dança, narrativa e espetáculo, tudo isso integrado ao discurso dramático do melodrama, com uma pitada de sensacionalismo e cenários fabulosos.
Embora os musicais hollywoodianos, em especial os do período entre 1920 e 1960, tenham sido essenciais para a cristalização do estilo de filme que se tornaria popular na Índia, algumas diferenças podem ser apontadas entre as duas indústrias. Enquanto as tramas de Hollywood serviam basicamente para mostrar o glamour do próprio mercado do entretenimento, Bollywood usava os elementos de fantasia dos musicais como uma forma orgânica de articular situações cotidianas dentro dos filmes. Ou seja, os norte-americanos tentavam manter o realismo e disfarçar o fato de que as pessoas começavam a cantar e a dançar no meio das histórias, mas os indianos simplesmente optaram por assumir que aquilo que estava na tela era mera ficção, nada além de ilusão e imaginação.
The Dirty Picture, produção bollywoodiana recente, conta a história de amor entre uma atriz e um diretor de cinema
O fato é que romance e melodrama estão entre os ingredientes básicos de um filme bollywoodiano. Também se espera que as sequências de música e dança sejam bem amarradas no roteiro e executadas com qualidade. O público indiano vai até o cinema esperando que o espetáculo valha o que está sendo pago por ele, ou seja, a maioria das pessoas quer entretenimento – o que inclui muita música, triângulos amorosos, heróis e vilões, cenas cômicas e algum suspense, durante três horas de exibição (com um intervalo). Esses são os chamados filmes “masala”, assim denominados por conta da mistura de temperos que leva o mesmo nome; afinal, são um “mix” de romance, comédia, drama, ação e aventura.
As tramas de filmes bollywoodianos tendem a envolver fórmulas consideradas clichês, mas que agradam às grandes massas: amantes separados pelo destino, relações e dramas familiares, crimes como sequestros ou roubos, golpes de sorte que tornam ricas pessoas pobres, irmãos que se reencontram e outras coincidências que só acontecem na ficção. Naturalmente, houve diversas produções indianas que buscaram fugir desses estereótipos e abordar narrativas mais artísticas e sofisticadas, tanto dentro de Bollywood quanto em outros movimentos cinematográficos do país (como o Cinema Paralelo). No entanto, esses filmes sempre tiveram bilheterias muito menores do que os longas bollywoodianos, famosos por atrair a população em geral.
Outro detalhe interessante está no fato de que os diálogos e as letras das músicas em geral são escritos por pessoas diferentes nos filmes de Bollywood. As falas dos atores normalmente são escritas no dialeto coloquial hindustani, uma mistura entre os idiomas hindi e urdu, para poderem ser compreendidos pela maior quantidade possível de pessoas. Já as letras das músicas são muito influenciadas pela poesia urdu, uma vez que essa era considerada, na tradição indiana, como a língua do “amor, da guerra e do martírio”. Produções contemporâneas de alto orçamento também usam o chamado “inglês indiano” ou “hinglish”, no qual os personagens vão mudando de um idioma a outro dependendo do contexto – por exemplo, o inglês é usado em ambientes mais corporativos, enquanto o hindi prevalece em diálogos informais.
Os Três Khans – Shah Rukh Khan, Salman Khan e Aamir Khan
Por questões de economia e praticidade, raramente o som dos filmes de Bollywood era gravado diretamente nas locações. Em geral, a trilha de áudio era criada totalmente em estúdio e inserida na pós-produção, com os atores dublando seus personagens e adição de efeitos sonoros, os quais nem sempre correspondiam perfeitamente aos sons reais – no que diz respeito à verossimilhança e sincronização. Somente a partir dos anos 2000 alguns cineastas passaram a questionar essa tradição e a gravar som direto em seus filmes.
As trilhas musicais que aparecem nos longas de Bollywood geralmente são gravadas com antecedência por cantores profissionais e dubladas pelos atores no set, enquanto eles dançam. São as músicas que determinam se o filme será um sucesso ou um fracasso. Embora muitos atores, especialmente nos filmes indianos modernos, sejam excelentes dançarinos, poucos sabem cantar, de fato (uma das raras exceções foi Kishore Kumar, estrela de diversos filmes nos anos 1950, que também teve uma bem sucedida carreira como cantor). Os compositores das músicas apresentadas nos filmes também costumam se tornar conhecidos junto ao público indiano. Acompanhando as tendências internacionais, ritmos como a salsa, o pop e o hip hop têm ganhado cada vez mais espaço nessas composições.
Já o estilo das coreografias usadas nas sequências musicais dos filmes remete às danças clássicas e folclóricas indianas, embora nas produções contemporâneas também sejam incorporados elementos ocidentais da cultura pop. Em uma típica sequência, o protagonista do filme apresenta um número de dança, acompanhado por um grupo de dançarinos coadjuvantes. Muitas cenas envolvendo música mudam subitamente de cenário ou de figurino, de maneira pouco realista, ainda que as canções sejam inseridas no contexto da história. Por exemplo, o número musical pode ser inserido na narrativa de alguma forma, dando ao personagem uma razão para cantar. Outras vezes, a música externaliza um pensamento ou estado de espírito do personagem, ou mesmo uma premonição, numa espécie de “sequência de sonho”.
Lagaan- Era uma Vez na Índia, indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2002
Curiosamente, os primeiros filmes indianos mostravam beijos e até sexo. Foi somente após a independência da Índia, com o estabelecimento de um conselho avaliador, que esse tipo de cena passou a ser censurado. Assim, os rituais de conquista amorosa passaram a ser representados nas sequências musicais, muitas delas de teor bastante sensual. Os próprios padrões da moda indiana são influenciados pelos filmes, que por sua vez não escaparam da globalização e acabam copiando as tendências e influências do mundo ocidental, o que tem aproximado os filmes de Bollywood cada vez mais dos modelos hollywoodianos.
Prova disso são as influências de Hollywood no que diz respeito à estética cinematográfica. A televisão norte-americana, principalmente a MTV, estabeleceu inovações de estilo que foram assimiladas por vários cinemas ao redor do mundo, especialmente o indiano – por exemplo, o ritmo ágil popularizado pelos videoclipes, com cortes e ângulos de câmera ousados. Esse modo de filmar pode ser percebido em Bombay (1995), de Mani Ratnam. Os filmes de gangsters italianos e de artes marciais também inspiraram as sequências de ação dos filmes de Bollywood, que inovaram com o uso de dublês em cenas acrobáticas e coreografias misturando lutas indianas e kung fu.
Legado para o cinema
Talvez a maior influência de Bollywood tenha sido na sedimentação do nacionalismo indiano. A indústria cinematográfica acabou se tornando uma parte da história do país e é frequentemente associada à identidade nacional, dando aos indianos uma sensação de pertencimento. O cinema acabou se tornando uma mídia indispensável para que o povo hindu conhecesse sua própria história: as lutas pela independência, os conflitos para obter uma unidade como nação e seu despontar como país emergente na economia global.
Vidya Balan, protagonista de Kahaani, é uma das atrizes populares da nova geração
Por ser a maior indústria de entretenimento da Índia, há várias décadas Bollywood tem influenciado sua cultura, ditando tendências e retratando a realidade sociopolítica do país. Por mais que seu objetivo seja divertir, os filmes também lidam com assuntos relevantes para o povo, como a pobreza e a corrupção, ou o desencantamento com relação às instituições públicas. A fantasia, nesse caso, é uma válvula de escape e uma forma de dar voz a uma população que não tem muitas outras maneiras de se sentir representada.
Internacionalmente, Bollywood também é uma fonte de poder econômico e social para a Índia, já que os filmes moldam a percepção dos outros países no que diz respeito à realidade indiana. A indústria cinematográfica atua como uma verdadeira embaixadora do país, levando sua cultura para o resto do mundo. Ironicamente, os musicais bollywoodianos também inspiraram produções recentes de Hollywood, como Moulin Rouge! (2001), de Baz Luhrmann – que conta com uma sequência musical de temática indiana, com danças ao estilo de Bollywood – e o premiado Quem Quer Ser um Milionário / Slumdog Millionaire (2008), de Danny Boyle – com uma trama que remete aos filmes policiais bollywoodianos e cujos créditos finais são acompanhados por um número de música e dança.
O sucesso de público e crítica de Moulin Rouge! renovou o interesse do mundo ocidental pelo gênero musical, que se encontrava em decadência nos Estados Unidos, possibilitando a produção de filmes como Chicago (2002), Rent (2005), Dreamgirls (2006), Hairspray (2007), Sweeney Todd (2007), Mamma Mia! (2008) e, mais recentemente, Os Miseráveis / Les Misérables (2012), La La Land (2016) e O Rei do Show / The Greatest Showman (2017). As influências das trilhas musicais bollywoodianas também podem ser percebidas na música pop ao redor do mundo, em especial no mercado musical asiático.
“Nunca fui um grande fã de Bollywood, mas desde jovem percebi seu poder e sua atração. É um cinema de sonhos.”, afirma Ram Devineni. “Tanto que acabei usando filmes bollywoodianos para criar uma conexão entre o Brasil e a Índia, quando vim para seu país. A recepção foi extremamente calorosa entre os brasileiros, que adoraram assistir aos filmes de Bollywood porque eles eram divertidos e fáceis de entender”, conclui o cineasta.
O aluno da AIC, Bruno Hoffman que atua na série Rotas do Ódio
As séries têm se tornado uma forma de entretenimento cada vez mais popular, seja por meio de plataformas de streaming ou canais de TV. Nesse contexto, o ator precisa estar preparado para compreender as diferenças entre atuar em seriados e filmes. Além disso, é importante ter uma visão ampla do mercado audiovisual, percebendo que as séries podem ser um excelente modo de mostrar seu talento, ou até mesmo o primeiro passo para uma bem-sucedida carreira cinematográfica.
Considerando essa demanda crescente por profissionais, a Academia Internacional de Cinema (AIC) criou, no ano passado, o curso Técnico em Atuação para Cinema e TV. Nesse curso, o aprendizado prático é extremamente importante, já que auxilia o ator a compreender seu papel no set de filmagem. Exercícios com luz, câmera e som ajudam o futuro profissional a desenvolver repertório e técnicas que serão úteis em seu trabalho – seja em um filme ou em uma série. Além disso, a convivência com uma equipe de filmagem faz com que o ator compreenda a narrativa audiovisual como um todo.
Bruno Hoffman interpreta um skinhead na série Rotas do Ódio
“Eu estudo no segundo semestre do curso”, conta Bruno Hoffman, que atua na série Rotas do Ódio, do canal Universal. “Além de ensinarem sobre o universo do cinema desde a teoria até a prática, a escola tem o cuidado de orientar os atores a se portarem em um set e a construírem uma carreira. É uma escola que respira a arte e o amor”.
Rotas do Ódio já tem duas temporadas e retrata o universo violento de um grupo de extrema direita que ataca minorias, como negros, homossexuais, travestis e imigrantes. Bruno Hoffman interpreta um skinhead que idolatra Hitler. “Fiz um estudo bastante intenso. Procurei referências para a criação desse personagem em livros, filmes, séries e reportagens. Adorei como o processo se desenrolou, desde a preparação até o último dia de gravação”.
O papel na série não foi fácil de conseguir, mas a persistência de Bruno trouxe bons resultados. “Num primeiro momento, não fui aceito, o que me deixou incomodado, porque de alguma maneira eu sentia que precisava fazer o teste. Após uma semana, a produtora de elenco me enviou uma mensagem, depois de ter conversado com a Vanessa Prieto e a Alê Tosi, minhas professoras na AIC. Tive três dias para estudar e, nesse processo, acabei raspando meu cabelo. Passei por uma bateria de testes e fui aprovado para a série”, lembra.
Outra aluna do curso Técnico em Atuação para Cinema e TV que conseguiu um papel em uma série é Fabiana Pimenta. “Comecei o curso em março de 2018 e estou gostando muito. Como sou atriz de teatro, está sendo uma descoberta me especializar no audiovisual, em que a atuação é diferente. Temos muitos exercícios práticos e projetos de gravações de cenas, o que me ajuda bastante”, ressalta. Para Fabiana, poder ver sua interpretação na câmera e ter um contato com uma equipe de gravação são fatores muito positivos.
Fabiana Pimenta já atuava no teatro, mas decidiu se aperfeiçoar na atuação para cinema e TV
A aluna conta que participou de um teste de elenco na própria AIC para Sintonia, uma série original Netflix e KondZilla. “Eu fiz o teste, uma improvisação, com uma colega da minha turma. Fui chamada para a segunda fase, fiz o texto principal e, depois de alguns meses, me chamaram para fazer a assistente da personagem Dondoka (interpretada por Leila Moreno)”, explica Fabiana. Embora a série já tenha sido gravada, ainda não há data prevista de estreia.
De acordo com Fabiana, interpretar ao lado de Leila Moreno foi um excelente aprendizado. “A DondoKa é uma MC de funk e faço sua assistente como se fosse o alter ego dela. Foi uma experiência incrível estar em um set profissional, muito diferente de todos os que já participei, com câmeras modernas e equipamentos de iluminação, montagem de cenários na rua… Tudo é muito organizado”, conta.
A atriz acredita que o curso deu ferramentas para que ela pudesse construir sua personagem, além da oportunidade de atuar nessa série. “Ser artista no Brasil é muito difícil, principalmente para atrizes negras, periféricas. Já sou reconhecida por meu trabalho no teatro, mas quero abranger cada vez mais cinema e TV, além de continuar sempre estudando”.
Assim como Fabiana, a aluna do curso técnico Carmen Cozzi iniciou seus estudos em atuação para cinema e televisão no ano passado. “Está sendo muito proveitoso. Temos muita prática, desde o primeiro dia, porém sem menosprezar toda a parte teórica necessária para qualquer formação que seja completa, contextualizada em cada época, com toda a história que a acompanha”, conta.
A aluna Fabiana Pimenta acaba de conseguir um papel na série Sintonia
Carmen foi convidada para participar da série Unidade Básica, exibida no canal Universal, através de sua professora da AIC Alê Tossi, que também é produtora de elenco. “Minha personagem é uma enfermeira da escola, que leva um dos alunos para ser atendido na UBS. Foi uma participação pequena, em duas diárias, mas fui dirigida pelo ótimo diretor e ator Caco Ciocler”. Embora essa tenha sido sua primeira participação em uma série, Carmen já se diz encantada por esse trabalho. Afinal, o conhecimento a ajudou a descobrir coisas novas e abriu oportunidades em sua carreira.