Cinema Novo

Cinema Novo

Editado em: 17/10/2018

O que foi o movimento cinematográfico, suas principais características estéticas, filmes e cineastas mais importantes e suas influências para o cinema contemporâneo.

Para alguns brasileiros, o cinema nacional ainda carrega um estigma de filmes pouco envolventes ou desafiadores. O que muita gente não sabe, principalmente quem cresceu em meio a uma cultura dominada por superproduções de Hollywood, é que nos anos 1960 nasceu em terras tupiniquins um movimento que está entre os mais inovadores, instigantes e revolucionários da história cinematográfica mundial: o Cinema Novo.

Fortemente influenciado pelo Neorrealismo italiano e pela Nouvelle Vague francesa, o movimento atingiu seu auge após o golpe militar de 1964 e foi marcado pelo descontentamento de um grupo de cineastas com relação às questões políticas e sociais do país. A desigualdade e a opressão faziam parte de um contexto de luta que marcou não apenas o Cinema Novo, como toda a produção dos países de terceiro mundo na época.

“Uma estética da violência antes de ser primitiva é revolucionária, eis aí o ponto inicial para que o colonizador compreenda a existência do colonizado.” (Glauber Rocha)

 

O que foi o movimento

O Cinema Novo surgiu como uma resposta ao cinema tradicional que fazia sucesso nas bilheterias brasileiras no final da década de 1950, um cinema que basicamente se resumia a musicais, comédias e histórias épicas no estilo hollywoodiano, muitas vezes realizados com recursos de produtoras e distribuidoras estrangeiras.

Nesse contexto, um grupo de jovens cineastas, sedentos de mudança e dispostos a combater o que eles caracterizavam como um cinema de mau gosto e “prostituído”, adotou o lema “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça” para atacar o industrialismo cultural e a alienação das populares chanchadas. O que eles buscavam era uma arte engajada, movida pelas preocupações sociais e enraizada na cultura brasileira.

A chamada “estética da fome” surgiu, então, para representar os temas da miséria e da violência em função da construção de um projeto cinematográfico: o de um “cinema perigoso, divino e maravilhoso” – como definiu Glauber Rocha, usando a letra de uma canção de Gal Costa, no filme O Vento do Leste (1970), de Jean-Luc Godard e Jean-Pierre Gorin.

Aos poucos, o movimento foi se tornando cada vez mais politizado e sintonizado com a realidade das camadas populares, trabalhadoras, a ponto de ter sido considerado o cinema mais político da América Latina, naquele período.

 

Um pouco de história

A geração de cineastas do Cinema Novo cresceu em meio a um contexto histórico conturbado e de muitos questionamentos, no Brasil e no mundo. Se, de um lado, os jovens demonstravam uma vontade de romper com valores estabelecidos (questões sociais, culturais e de gênero, por exemplo); de outro, o conservadorismo e a repressão a esses movimentos ganhavam força.

A juventude que atuava no cinema acreditava que era necessário lutar contra o empobrecimento intelectual que dominava a população brasileira, tendo como arma uma arte com conteúdo, mais próxima do real e que pudesse ser feita com poucos recursos. Embora esses ideais fundamentais tenham se mantido em todos os filmes do movimento, historicamente o Cinema Novo é dividido em três fases, que se diferenciam em atmosfera, estilo e conteúdo.

Na chamada Primeira Fase (1960 a 1964), antes que a ditadura militar se instaurasse no país, o Centro Popular de Cultura (CPC), uma entidade associada à União Nacional de Estudantes (UNE), lançou o filme Cinco Vezes Favela (1961), dirigido por Cacá Diegues, Joaquim Pedro de Andrade, Leon Hirszman, Miguel Borges e Marcos Farias. O longa-metragem, dividido em cinco episódios, é considerado por muitos teóricos como uma das primeiras produções do Cinema Novo.

Glauber Rocha, que certamente está entre os mais influentes nomes do movimento, foi também seu maior defensor e um dos responsáveis por sua existência. Ele queria fazer filmes que educassem o público. Em 1964, lançou Deus e o Diabo na Terra do Sol no Festival de Cannes, na França, e foi indicado à Palma de Ouro. Ainda hoje, o longa é um marco do cinema brasileiro.

A Primeira Fase do Cinema Novo representa bem as motivações e os objetivos primordiais do movimento, com temáticas sociais que retratavam as dificuldades do povo: a fome, a violência, a alienação religiosa e a exploração econômica. Os filmes queriam se afastar da imagem que o Brasil tinha no exterior: belos atores em paraísos tropicais. Ou seja, mostravam a realidade nua e crua, em especial nas periferias e no sertão. A seu modo, também criticavam a maneira pacífica como os brasileiros lidavam com esses problemas, mas ainda apresentavam algum otimismo de que as coisas poderiam mudar.

Segundo o cineasta Cacá Diegues, o foco dessa fase do Cinema Novo não estava na edição e no enquadramento, por isso seu estilo era visualmente próximo do documental. A intenção era, de fato, espalhar a filosofia do proletariado. “Os cineastas brasileiros (principalmente no Rio, na Bahia e em São Paulo) levaram suas câmeras e saíram para as ruas, o interior e as praias em busca do povo brasileiro, o camponês, o trabalhador, o pescador, o morador das favelas”, afirmou.

Quando o presidente João Goulart foi deposto pelos militares, iniciou-se a Segunda Fase do Cinema Novo (1964–1968). Foi nesse momento que os brasileiros perderam a fé nos ideais do movimento, já que a promessa de proteção dos direitos civis e de luta contra a opressão não se concretizou. Ou seja, os jovens e idealistas cineastas haviam falhado em sua empreitada de manter a democracia, usando a arte como instrumento político.

Muitos acreditam que essa desconexão com o povo brasileiro se deva ao fato de que os diretores do movimento passaram a tentar agradar mais aos críticos do que ao público. A temática dos filmes passou a focar na angústia e na perplexidade de um país sob um regime autoritário, como que aceitando o fracasso do Cinema Novo e da esquerda intelectual.

Para tentar reconquistar o público, alguns autores começaram a se afastar da “estética da fome” em favor de um estilo cinematográfico um pouco mais sofisticado tecnicamente e de temáticas que atraíssem o interesse das massas. Tanto que o primeiro filme do Cinema Novo a ser filmado em cores e a retratar personagens da classe média foi lançado nesse período: Garota de Ipanema, de Leon Hirszman (1968).

Glauber Rocha, no entanto, permanecia em sua luta por um cinema engajado, tendo lançado em 1967, também em Cannes, o longa Terra em Transe. O filme fazia uma clara alusão à situação política brasileira, sob o regime militar, retratando uma república fictícia governada por um tecnocrata conservador, e foi proibido pela censura por ser considerado subversivo.

A Terceira Fase do Cinema Novo (1968–1972) buscou sua inspiração no Tropicalismo, um movimento que fazia sucesso no país. Sua estética remetia às cores da flora brasileira, com influências da cultura pop e do concretismo, abusando do exagero. A ideia era chocar e romper com a arte “bem comportada”.

Por isso mesmo, essa fase foi também caracterizada como  “canibal-tropicalista” – um canibalismo que apareceu literalmente no filme Como Era Gostoso o Meu Francês (1971), de Nelson Pereira dos Santos. A ideia de antropofagia também aparece em Macunaíma (1969), de Joaquim Pedro de Andrade, no qual o protagonista acaba sendo “devorado” pelo sistema, assim como muitos brasileiros eram tragados pelo milagre econômico da ditadura militar.

Foi nessa fase, também, que a perseguição do regime militar aos seus opositores se intensificou e Glauber Rocha partiu para o exílio, em 1971, de onde nunca retornou totalmente. Ele passou pelos Estados Unidos, Chile, Uruguai, Cuba, França e Itália, tendo realizado diversos filmes, mesmo longe de sua terra natal – fonte de inspiração para tantas obras emblemáticas.

Como a Terceira Fase do Cinema Novo se deu durante um período de modernização e globalização do Brasil, os filmes produzidos também eram mais tecnicamente bem acabados, o que de certa forma contradizia os ideais da Primeira Fase. Essas discussões deram espaço para o surgimento do Novo Cinema Novo, também conhecido como Udigrudi, que retomava o foco inicial do movimento: personagens marginalizados e problemas sociais, com uma estética mais “suja”, a chamada “estética do lixo”. Nesse movimento de ruptura se destacaram Rogério Sganzerla (O Bandido da Luz Vermelha, A Mulher de Todos), Júlio Bressane (Matou a Família e Foi ao Cinema, O Anjo Nasceu) e Ozualdo Candeias (A Margem, A Herança).

Com a criação da Embrafilme, em 1969, o cinema nacional passou a produzir uma enorme quantidade de longas-metragens. Alinhados ao regime militar e preocupados com a censura, esses filmes não obedeciam mais às ideologias estéticas ou filosóficas do Cinema Novo. Assim, o movimento se dissolveu nos anos 1970, sendo substituído por produções mais comerciais e nacionalistas.

Principais características estéticas

Em seu texto A Estética da Fome, de 1965, Glauber Rocha escreveu: “Sabemos nós – que fizemos estes filmes feios e tristes, estes filmes gritados e desesperados onde nem sempre a razão falou mais alto – que a fome não será curada pelos planejamentos de gabinete e que os remendos do tecnicolor não escondem, mais agravam seus tumores. Assim, somente uma cultura da fome, minando suas próprias estruturas, pode superar-se qualitativamente: e a mais nobre manifestação cultural da fome é a violência.”

Como principais características estéticas do movimento, a falta de recursos e a liberdade criativa permitiram aos cineastas do Cinema Novo desafiar, provocar e surpreender os espectadores. No entanto, essa liberdade, esse abandono de preciosismos técnicos, fez de cada filme uma expressão da visão particular de seu diretor. Por isso, o movimento não é necessariamente heterogêneo em sua estética, já que a forma e o conteúdo dos filmes variaram muito em suas diferentes fases.

O Cinema Novo foi moldado à imagem de outros movimentos, conhecidos por sua subversão, como o Neorrealismo italiano e a Nouvelle Vague francesa. Em comum com seus predecessores, os brasileiros tinham a vontade de filmar com orçamentos reduzidos, muitas vezes em locações reais e usando atores não profissionais, tratando de temas da realidade das classes oprimidas. A paixão pelo cinema e o desejo de usá-lo como ferramenta de transformação era o que movia a todos eles.

Embora alguns diretores do Cinema Novo vissem os franceses como burgueses ou elitistas, eles concordavam que a “teoria do autor” da Nouvelle Vague era um conceito interessante, que permitia ao cineasta imprimir suas visões pessoais nas obras, o que incluía opiniões políticas e preferências estéticas.

Por esse motivo, esteticamente o movimento não possui uma unidade. A própria “estética da fome”, desenvolvida por Glauber Rocha, tratava mais de questões conceituais do que visuais ou técnicas. O objetivo era expor as desigualdades sociais nos países de terceiro mundo, falar da fome como um sintoma de uma sociedade doente. Como disse o cineasta: “[…] nossa maior miséria é que esta fome, sendo sentida, não é compreendida.”

 

Principais cineastas e filmes

É praticamente impossível falar do cinema novo sem mencionar um de seus maiores representantes: Glauber Rocha. Não apenas o mais influente, como um dos mais prolíficos do movimento, ele deixou um legado de filmes e textos que até hoje alimenta o trabalho de estudiosos, teóricos e pesquisadores brasileiros e estrangeiros. Muitos de seus longas, como Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), Terra em Transe (1967), O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (1968) e Barravento (1962), são considerados verdadeiros clássicos do cinema nacional.

A projeção internacional do Cinema Novo, contudo, iniciou-se com Cinco Vezes Favela. Do grupo de cinco diretores desse longa, Cacá Diegues fez também Ganga Zumba (1964) e manteve sua carreira até os dias de hoje; Joaquim Pedro de Andrade dirigiu Macunaíma (1969); Leon Hirszman fez Garota de Ipanema (1967); Miguel Borges dirigiu Maria Bonita, Rainha do Cangaço (1968); e apenas Marcos Farias não obteve muito destaque.

Outros nomes de peso no Cinema Novo foram Nelson Pereira dos Santos, diretor de Vidas Secas (1963) e Como Era Gostoso o Meu Francês (1971); Ruy Guerra, que dirigiu o premiado Os Fuzis (1964); Roberto Santos, com A Hora e a Vez de Augusto Matraga, (1966); e Olney São Paulo, autor de O Grito da Terra (1964) e Manhã Cinzenta (1969).

 

Legado para o cinema

Curiosamente, um dos legados do Cinema Novo talvez seja a Embrafilme, instituída pelo governo brasileiro em 1969, com o objetivo de produzir e distribuir filmes nacionais nos mais diversos gêneros, incluindo fantasia e épicos de grande orçamento.

O movimento não se identificou em nenhum aspecto com a empresa, mas o desgaste de suas lutas políticas fortaleceu o surgimento da Embrafilme como catalisadora do poder econômico para a produção cinematográfica nacional.

O Cinema Novo deixou suas marcas também no Terceiro Cinema, um gênero mais amplo que abrange a produção cinematográfica revolucionária de diversos países de terceiro mundo, em especial os povos africanos e latino-americanos, com forte teor de conscientização sobre a realidade política e social desses países. Glauber Rocha chegou a declarar que o Cinema Novo era um fenômeno dos novos povos no mundo inteiro, não um privilégio brasileiro.

O movimento foi, sobretudo, um cinema de guerrilha, de resistência. Nada mais justo, portanto, do que concluir com uma declaração de Glauber Rocha sobre a continuidade de seus ideais:

“Onde houver um cineasta disposto a filmar a verdade, e a enfrentar os padrões hipócritas e policialescos da censura intelectual, aí haverá um germe vivo do Cinema Novo. Onde houver um cineasta disposto a enfrentar o comercialismo, a exploração, a pornografia, o tecnicismo, aí haverá um germe do Cinema Novo. Onde houver um cineasta, de qualquer idade ou de qualquer procedência, pronto a pôr seu cinema e sua profissão a serviço das causas importantes de seu tempo, aí haverá um germe do Cinema Novo.”

 

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*Texto e pesquisa: Katia Kreutz


**Foto Destaque: cena do filme “Terra em Transe” (1967), do diretor Glauber Rocha.

 

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