Nouvelle Vague

Nouvelle Vague

Editado em: 25/09/2018

O que foi o movimento cinematográfico, suas principais características estéticas, filmes e cineastas mais importantes e seu legado para o cinema.

Reunindo alguns dos grandes representantes do cinema moderno europeu, a Nouvelle Vague francesa foi um dos movimentos mais relevantes da história do cinema.

Os diretores daquele período buscavam usar a técnica como uma forma de estilo. Para eles, um cineasta era, antes de mais nada, um autor. O filme deveria desafiar as convenções e desconstruir as bases do cinema, ou seja, a lógica narrativa tradicional e a continuidade do espaço e tempo. É como se o cineasta fosse um ensaísta que “escrevesse com a luz”, usando a câmera como sua caneta – um conceito que foi chamado de caméra-stylo.

 

 

O que foi o movimento

 

Andre Bazin
André Bazin, cujas ideias ajudaram a moldar toda uma geração de estudiosos, críticos e cineastas.

 

O termo Nouvelle Vague (que, em tradução literal, significa “nova onda”), foi usado inicialmente entre o final da década de 1950 e o início dos anos 1960, na França, por um grupo de críticos cinematográficos da popular revista Cahiers du Cinéma.

As bases teóricas mais importantes para os integrantes desse grupo vieram dos escritos de Alexandre Astruc e, sobretudo, de André Bazin, cujas ideias ajudaram a moldar toda uma geração de estudiosos, críticos e cineastas.

O conceito da caméra-stylo via o cinema como uma forma de linguagem audiovisual, fundamentalmente escrita pelo diretor do filme. A Cahiers du Cinéma, fundada por Bazin em 1951, tornou-se o “quartel general” de um grupo de jovens cinéfilos, amantes da sétima arte: François Truffaut, Jean-Luc Godard, Claude Chabrol, Jacques Rivette e Eric Rohmer – que, posteriormente, se tornariam os mais conhecidos diretores da Nouvelle Vague.

Um dos principais argumentos de Bazin consistia na rejeição da estética da montagem, tanto os cortes radicais propostos pelo cineasta russo Sergei Eisenstein quanto o estilo “invisível” de edição dos filmes hollywoodianos. Ele defendia longos planos e uso da profundidade de campo, no que chamava de mise-en-scène (algo como “representação da cena”). Os elementos que compunham a estrutura fílmica, de acordo com esse pensamento, eram todos aqueles que precediam a montagem propriamente dita, incluindo posicionamento e movimento de câmera, iluminação e distribuição da ação nos planos.

 

Cahiers du cinema
Marilyn Monroe na capa da revista “Cahiers du cinéma” (1956).

 

Os críticos da Cahiers não abraçaram apenas as ideias de Bazin, como também tomaram emprestado de Astruc o conceito de autoria. A chamada politique des auteurs (“política dos autores”) sustentava que o filme deveria ser uma forma de expressão artística pessoal e que as melhores obras cinematográficas eram aquelas nas quais estava visível a assinatura de seus autores.

O movimento rejeitava ainda a tradition de qualité – filmes adaptados de obras clássicas da literatura, que dominavam as salas de cinema francesas na época. O ímpeto por novidade que movia os jovens autores ficou evidente em uma espécie de manifesto escrito em 1953 por François Truffaut, Une certaine tendance du cinéma français (“Uma certa tendência do cinema francês”). No texto, o cineasta denunciava as adaptações literárias para o cinema como uma forma segura de garantir bilheterias, resultando em trabalhos sem imaginação, o que ele chamou de cinéma de papa (“cinema de papai”).

Os autores dispostos a criar uma “nova onda” do cinema francês tinham uma coisa em comum: o desejo de gravar em locações reais, abordando temas de cunho social. Muitos dos cineastas do movimento estavam ativamente engajados nas revoltas políticas que aconteciam na França, na década de 1960. Até mesmo suas experimentações radicais com a edição, o estilo visual e a narrativa faziam parte de uma necessidade de quebrar os paradigmas conservadores daquele tempo.

 

Um pouco de história

A Nouvelle Vague se impôs como a reiteração de um princípio do Neorrealismo: usar o cinema como ferramenta de transformação do mundo. O diferencial dos franceses estava em não buscar apenas a renovação do mundo através do cinema, como também sintonizar sua arte com as inquietações contemporâneas. Justamente por isso, o movimento surgiu em meio a jornalistas e a críticos de cinema.

Alguns teóricos defendem que a Nouvelle Vague se iniciou em 1954, com o primeiro trabalho em longa-metragem da cineasta belga Agnès Varda, La Pointe Courte; embora tenha se tornado um evento de peso na França apenas em 1959, com Os Incompreendidos (Les quatre cents coups), de François Truffaut. Acredita-se que os anos de maior popularidade do movimento tenham sido entre 1958 e 1964, ainda que outros filmes nessa mesma linha existam até 1973.

As situação socioeconômica da Europa, logo depois da Segunda Guerra Mundial, foi um fator marcante para a existência desse grupo. Politicamente e economicamente abalada, a França passou por um período de conservadorismo, no qual buscava recorrer às tradições pré-guerra, o que incluía um retorno ao cinema narrativo convencional. A força que movia a Nouvelle Vague estavam justamente na rebelião contra os métodos antigos de fazer filmes, em especial as adaptações literárias.

Os jovens cineastas criticavam a maneira como o cinema clássico era usado para forçar o público a aceitar um tipo de linha narrativa ditatorial. Os filmes de época, adaptados de clássicos da literatura, eram muito aclamados em festivais de cinema na França e considerados “intocáveis” pela crítica. No entanto, os autores da “nova onda” propunham um cinema de vanguarda, empregando novas técnicas estilísticas de direção e sem depender de grandes orçamentos para a produção.

Os autores devem sua popularidade ao apoio que receberam de sua jovem audiência. A maior parte dos cineastas da Nouvelle Vague nasceu nos anos 1930 e cresceu em Paris, o que permitia aos espectadores se identificarem com a maneira como eles viam a vida e suas questões existenciais. O dia a dia da juventude francesa foi muito bem capturado por esses filmes. Contudo, o movimento não foi bem sucedido apenas localmente, já que influenciou muitos outros cineastas ao redor do mundo, ao longo das décadas seguintes.

 

Principais características estéticas

Os filmes da Nouvelle Vague apresentavam métodos de expressão sem precedentes no cinema, como longos planos sequência, diálogos improvisados e falta de continuidade. Além disso, exploravam temas existenciais, como as preocupações do indivíduo e a aceitação do absurdo da experiência humana. Recheados de ironia e sarcasmo, também faziam muitas referências a outras obras cinematográficas.

Muitos dos longas-metragens da Nouvelle Vague francesa foram produzidos com orçamentos bastante reduzidos, frequentemente gravados em apartamentos ou quintais de amigos, usando os conhecidos do diretor como integrantes da equipe de filmagem. Os cineastas também eram obrigados a improvisar no que diz respeito ao equipamento (por exemplo, usando carrinhos de mercado para movimentos de travelling). Como o custo da película cinematográfica era muito alto, as formas de economizar acabaram se transformando em inovações estilísticas.

De certo modo, essa abordagem ajudou os cineastas a buscarem uma expressão de arte essencial, dentro de um modo de produção muito mais confortável e contemporâneo, alinhado às condições que possuíam. Em Acossado (À bout de souffle), após ouvir que seu filme era muito longo e que deveria ser cortado para uma hora e meia, Godard decidiu remover diversas cenas que haviam sido gravadas em planos sequência usando jump cuts, uma técnica de corte abrupto que vai de um momento para outro do plano sem qualquer tipo de transição suave. Ou seja, as decisões de ordem prática acabaram se tornando escolhas propositalmente estilísticas.

O novo estilo cinematográfico desenvolvido durante a Nouvelle Vague francesa trouxe um frescor visual ao cinema, com roteiros feitos de improviso, rápidas mudanças de cena e planos sem muita unidade, que quebravam o eixo convencionado de 180°. Os filmes do movimento não pretendiam usar a câmera para hipnotizar o público com narrativas elaboradas e imagética ilusória, mas para brincar com suas expectativas, em uma combinação de realismo objetivo e comentário autoral.

 

Principais cineastas e filmes

Alguns dos mais proeminentes nomes da Nouvelle Vague, incluindo François Truffaut, Jean-Luc Godard, Éric Rohmer, Claude Chabrol e Jacques Rivette, iniciaram suas carreiras como críticos da revista Cahiers du Cinéma, fundada pelo famoso teórico André Bazin. Henri Langlois, fundador e curador da Cinémathèque Française, também foi uma das figuras paternas do movimento.

Influenciados pelas teorias de Bazin e de Alexandre Astruc, e inspirados pelo trabalho de inovadores cineastas norte-americanos (como Charlie Chaplin, Alfred Hitchcock, Orson Welles, Howard Hawks e John Ford), os autores da Cahiers criticavam não apenas o cinema vigente na França à época, mas também o trabalho padronizado da maioria dos diretores hollywoodianos, presos ao fluxo da narrativa tradicional.

Isso não quer dizer que o grupo era totalmente contra o que estava sendo produzido nos Estados Unidos. Truffaut costumava creditar o diretor norte-americano Morris Engel e seu filme O Pequeno Fugitivo (Little Fugitive), de 1953, por colaborar com as bases da Nouvelle Vague, mostrando aos jovens criadores franceses “o caminho para a produção independente”.

Apesar da importância dos filmes de Agnès Varda e de Jean Rouch para o despontar do movimento, Le Beau Serge (1958) de Claude Chabrol, é considerado por muitos como o primeiro longa-metragem da Nouvelle Vague. O assunto ainda é muito debatido, já que o próprio Truffaut afirmou, em entrevista, que a Nouvelle Vague não era nem um movimento, nem uma escola, nem um grupo, mas uma característica.

Godard, por sua vez, declarou publicamente que a Nouvelle Vague era composta exclusivamente por ele próprio, Truffaut, Chabrol, Rivette e Rohmer, afirmando que a Cahiers foi o núcleo do movimento. Ele reconhecia o trabalho de cineastas como Resnais, Astruc, Varda e Demy, mas considerava-os distintos do movimento, por representarem outro tipo de cinema.

Na verdade, cineastas como Agnès Varda, Alan Resnais, Chris Marker, Jean-Pierre Melville, Alain Robbe-Grillet e Marguerite Duras faziam parte do Rive Gauche (ou Margem Esquerda). Esse grupo não pertencia à ala mais popular e financeiramente bem sucedida do movimento (a Margem Direita), ou seja, a dos autores da Cahiers. Eram diretores mais velhos, que se aproximavam dos ideais da Nouvelle Vague na maneira como praticavam o modernismo cinematográfico, mas que demonstravam certa impaciência com a conformidade da Margem Direita, eram mais envolvidos com a literatura e as artes plásticas, além de se identificarem com a esquerda política.

Um grupo não se opunha ao outro; no entanto, é inegável que o sucesso internacional da Nouvelle Vague, tanto de crítica quanto de público, foi conquistado essencialmente por Godard, com Acossado, e Truffaut, com Os Incompreendidos. Esses filmes voltaram a atenção do mundo para as atividades do grupo e permitiram que o movimento florescesse.

Ao lado de Truffaut, Godard foi certamente a figura mais representativa da Nouvelle Vague. Seu método de fazer filmes, frequentemente buscando chocar e surpreender os espectadores, tirando-os da passividade, era inovador e ousado. Por suas escolhas e técnicas, ele foi inclusive acusado de desprezar o público (uma acusação que outros diretores experimentais, como Stanley Kubrick e David Lynch, também enfrentariam alguns anos depois). Mas sua abordagem estilística era, de certa forma, um modo de lutar contra o cinema mainstream, atacando a ingenuidade do espectador comum. Seu cinema desafiador é cultuado até os dias de hoje, já que ele foi o precursor de muitos recursos hoje amplamente utilizados, até mesmo pelo cinema comercial – como a “quebra da quarta parede” (quando um personagem fala diretamente com o público).

Muitos dos diretores que fizeram parte da Nouvelle Vague continuaram produzindo filmes várias décadas depois – inclusive Godard e Agnès Varda, que atualmente ainda trabalham como cineastas.

Legado para o cinema

“Uma história deve ter um começo, um meio e um fim, mas não necessariamente nessa ordem.” – Jean-Luc Godard

De certa forma, o início da Nouvelle Vague foi uma espécie de exercício prático para os escritores da Cahiers, aplicando seus conceitos teóricos em filmes dirigidos por eles próprios. Além de romper com a narrativa convencional, esses cineastas defendiam que o diretor é o verdadeiro autor dos filmes e que ele deixa uma assinatura pessoal visível ao longo de sua filmografia.

Fugindo dos princípios de narrativa clássica, que consideravam opressiva e determinista, esses artistas não buscavam a “suspensão da descrença” do espectador. Pelo contrário, faziam o possível para constantemente lembrar o público de que o filme não passava de uma sequência de imagens em movimento, independentemente de quão perfeitas fossem sua direção de arte e fotografia.

“Até agora, a maioria dos cineastas pensava saber como fazer filmes. Assim como um escritor ruim não se pergunta se é realmente capaz de escrever um romance – ele acha que sabe. Se os diretores de filmes fossem construtores de aviões, haveria um acidente a cada decolagem. Mas, no cinema, esses acidentes são chamados de Oscars”, afirmou Godard.

O ponto chave da mudança de paradigmas provocada pela Nouvelle Vague, que consiste na criação artística mesmo sem dinheiro, trouxe à tona a questão do “valor de produção” no cinema. Naquele contexto social e econômico, os artistas buscavam alternativas aos métodos de produção tradicionais, motivados pela geração de neorrealistas italianos que vieram antes deles. Hoje, meio século depois, esse questionamento permanece.

A Nouvelle Vague mostrou que é possível usar todos os recursos disponíveis, por menores que fossem, para levar uma visão criativa e inovadora às telas do cinema. Com seus planos desconectados, personagens que mudavam drasticamente de uma cena para a outra, ou mesmo locações nas quais pessoas comuns acidentalmente dividiam o quadro com os atores do filme, esse grupo de arrojados diretores inegavelmente trouxe um novo olhar para o fazer cinematográfico na França – e também no mundo.

 

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*Texto e pesquisa: Katia Kreutz
**Foto Destaque: “Acossado” (À bout the souffle), um filme de Jean-Luc Godard de 1960 – fotografada por Raoul Coutard

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