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Marçal Aquino fala sobre a arte de contar histórias na AIC

*Por Katia Kreutz, Foto Yuri Pinheiro

Marçal Aquino - Foto Yuri Pinheiro - 8415A 12a Semana de Orientação na Academia Internacional de Cinema se encerra em São Paulo com um sujeito que, muito humildemente, diz não entender nada de cinema, mas acaba dando uma verdadeira aula sobre a arte de contar histórias. O tal sujeito é Marçal Aquino – escritor, jornalista e roteirista de filmes importantes para a cinematografia nacional, como o “Os Matadores”, “Ação Entre Amigos”, “O Invasor” e “O Cheiro do Ralo”.

Marçal explica o motivo a que veio: contar um pouco da sua experiência, como é que virou roteirista. “Sou um grande cinéfilo, mas nunca quis isso como profissão. Eu achava que, como atividade economicamente inviável, já bastava a literatura”, brinca, dizendo que quando acaba um filme brasileiro geralmente não sobem créditos, mas débitos. Entretanto, mesmo tendo a consciência de que essa é uma atividade difícil, cara, demorada e, sobretudo, coletiva, alguns caminhos curiosos acabaram levando as histórias desse escritor das páginas para as telas.

 

Dos quadrinhos à literatura

Marçal Aquino nasceu em Amparo, interior de São Paulo, uma cidade histórica do ciclo de café, que foi cenário para muitos filmes e novelas. De certa maneira, teve contato com essa “gente do cinema” desde garoto. Por isso mesmo, nunca quis se meter muito nessa área, embora sempre tenha gostado de assistir filmes.

“Eu sou um contador de histórias”, define o escritor. Tendo crescido em uma fazenda, sem televisão, o hábito de escrever surgiu porque era comum as pessoas se reunirem para conversar, à noite. Ele reparava que as histórias iam mudando, conforme eram contadas várias vezes. “Quem está contando percebe o efeito que as cenas têm. Uma vizinha não chega para a outra e diz: morreu fulano. Ela começa assim: sabe quem morreu? Isso cria uma expectativa narrativa no ouvinte.”

Originalmente, Marçal gostava de desenhar histórias em quadrinhos. Aos 14 anos, começou a se interessar por literatura e descobriu que essa era uma forma de se expressar muito mais completa do que os gibis ou mesmo os filmes, porque a imaginação do leitor trabalha livre, sem nenhum apoio visual.

“Ali, eu virei escritor. Mas entendi, logo de cara, que isso não é profissão no Brasil”, lembra. Como precisava fazer algo que o possibilitasse escrever – o que, afinal era a coisa que ele mais gostava – Marçal percebeu que o jornalismo seria a escolha mais lógica. Trabalhou como repórter, redator, editor. E a experiência de escrever para o caderno policial do extinto Jornal da Tarde marcou também sua literatura.

Mas ele reforça: seu negócio mesmo é escrever livros. Todo o resto, o escritor faz com prazer, porque são coisas ligadas à literatura, mas sempre sem grandes pretensões. “Na verdade, minha única especialidade é saber ouvir a conversa alheia, pois eu tenho muita curiosidade pelo outro. Eu só escrevo porque presto atenção nas outras pessoas”, explica.

 

Parceria pra vida toda

E como o cinema entrou na vida desse escritor que nunca pensou em ser roteirista? Em 1991, Marçal Aquino publicou um livro de contos, “As Fomes de Setembro”. O cineasta Beto Brant, ainda em sua fase de curtas-metragens, quis transformar um dos contos desse livro num filme. Ele procurou a editora, que não tinha os direitos, e por isso acabou abordando o escritor. “Quando me conheceu, o Beto se surpreendeu com duas coisas: primeiro, que eu não sou o um velho de 80 anos, que ele imaginava que eu era pelos meus escritos; segundo, que eu sabia muito sobre cinema”, conta Marçal.

Os dois começaram uma amizade, um diálogo criativo. O curta não saiu, mas pouco tempo depois Beto quis fazer um longa (“Matadores”) e acabou usando outro conto de Marçal como inspiração. Contudo, os roteiristas contratados para o filme não estavam conseguindo resolver o final da história. “Era uma novela que publiquei como conto. Aí contei para o Beto, brincando, o que eu faria, se tivesse levado o livro até o fim. Na hora, ele me chamou pra ajudar nisso.”

Marçal não era um incauto no mundo cinematográfico. Ele teve aulas de roteiro na faculdade de jornalismo, costumava até ler roteiros, só que nunca havia escrito nenhum. “Depois que mexi no ‘Matadores’, virei o roteirista dos filmes do Beto. Tanto que eu nem tinha interesse em trabalhar com outros diretores”, ressalta. Acabou trabalhando com grandes nomes, como Heitor Dhalia e Marco Ricca, e hoje ganha a vida como roteirista e autor de TV. “Minha vida se transformou depois desse encontro com o Beto, mas foi ele que inventou que eu era roteirista.”

 

Mercado aquecido

Marçal Aquino

Mesmo que tudo pareça ter acontecido de maneira acidental na carreira de Marçal Aquino, uma coisa ele afirma com convicção: existe um bom mercado, atualmente, para trabalhar com roteiro no Brasil. “Hoje em dia, os roteiristas mais criativos estão nos seriados, porque é onde está o dinheiro. No cinema, o processo pode levar até cinco anos, exige uma carga de foco que é quase desencorajadora”, comenta.

Contudo, a internet e os serviços de streaming abriram uma série de oportunidades, o que é muito positivo. Para Marçal, isso é uma evolução. A própria Rede Globo (onde o roteirista participou da criação de seriados como “Carcereiros” e “Supermax”) está atenta a esses novos formatos, pois é esse tipo de material que o público jovem tem assistido. Mas, apesar do sucesso profissional, ele acredita que trabalhar apenas por dinheiro não traz realização. “Eu sempre fui atrás dos sonhos, de diretores que estavam se propondo a fazer algo diferente”, defende.

“Quando comecei, e lá se vão mais de vinte anos, na retomada do cinema brasileiro, o roteirista era uma figura vista no mínimo com desconfiança”, continua. Marçal conta que, na época, muitos diretores sequer tinham roteirista, era aquela história de uma ideia na cabeça e uma câmera na mão… “Então não era uma profissão que você quisesse abraçar.”

Não apenas por ser roteirista, Marçal acredita na necessidade de se ter um roteiro na construção de um filme. Ele vê esse trabalho como a pedra fundamental. Hoje, a primeira coisa que se pede antes de começar a aprovação de um projeto em um edital ou lei de incentivo é o roteiro. Essas mudanças ajudaram a valorizar um pouco mais a atividade.

O escritor vê essa mudança de mentalidade como algo maravilhoso. “Agora se compreende a importância do roteiro. Tirando o Beto, que é meu parceiro, eu já dialoguei com cineastas que estavam me contratando simplesmente para resolver problemas”, conta. Para ele, o trabalho precisa ser desmistificado e visto como outro qualquer.

 

Método e linguagem

“Escrevendo literatura, eu tenho meu método, desenvolvido desde os 14 anos. É minha maneira de trabalhar. Acontece que o roteiro não tem isso”, explica Marçal.

A primeira diferença está no fato de ser um trabalho coletivo, que depende de uma série de questões e de profissionais. “Eu falo que é igual suruba: precisa de mais gente pra fazer”, brinca. Para ele, esse processo de estar integrado em uma coletividade é fascinante, porque a literatura é um trabalho solitário, no qual as decisões ficam completamente a cargo do autor. Por outro lado, existe também um nível de insegurança muito maior.

Além disso, quando se trata de um roteiro, o que está no papel nunca não é a obra final. O fato interessante é que Marçal foi descobrindo essas particularidades e aperfeiçoando suas técnicas na prática. “Eu ainda  estou aprendendo a ser roteirista. Estou na televisão, escrevo roteiros diariamente, mas acho que sei apenas atender aos desejos de determinado diretor”, afirma.

Quando ingressou no cinema, Marçal conhecia os códigos, tanto da linguagem literária quando da cinematográfica, mas sua maior dificuldade foi entender que nem tudo o que se coloca no roteiro é filmável. “O que eu quiser colocar na literatura, vai funcionar na cabeça do meu leitor. Eu não preciso de nenhum aparato, somente de um leitor com imaginação.”

Nesse contexto, escrever um bom roteiro acaba sendo, basicamente, a tarefa de descrever algo, manifestar intenções e criar diálogos verossímeis. Na transição para o audiovisual, o que está escrito precisa ter um enorme poder de convencimento, porque ninguém lê roteiros como lê literatura. “Se eu escrever num roteiro: ‘Maria sai de casa’, e der para cinco diretores diferentes, cada um vai gravar de um jeito. É o diretor que, de fato, imagina o filme.”

Marçal conta que não tem vontade de dirigir um filme e que nunca sequer passou por sua cabeça falar para um diretor o que ele deveria fazer com sua história. “Eu me reservo o direito de não gostar, mas é preciso ter esse desprendimento. No cinema não existe a vaidade de dizer: eu sou o autor. Você está a serviço de uma coletividade.”

 

Adaptação

Marçal AquinoCada pessoa lê um livro de uma maneira. Por isso, uma adaptação nada mais é do que uma leitura de um livro, em outra linguagem – a audiovisual. Por isso, quando precisa transpor sua obra literária para o cinema, Marçal precisa que o diretor lhe diga que filme está vendo ali.

“Eu termino de escrever um livro e, para mim, aquilo é um livro. Ponto final. Eu não quero fazer um filme. É necessário que um diretor me diga: vamos adaptar esse livro? Então eu pergunto: qual é o filme que você vai tirar daqui, que história você viu? Uma vez até me perguntaram quanto eu ganho para ajudar a estragar meus livros no cinema”, conta, bem humorado.

Brincadeiras à parte, Marçal leva a sério a questão do desapego de sua obra: quando entrega seu texto a alguém, ele simplesmente aceita que essa pessoa vai fazer o filme que ela quiser. Caso outro roteirista seja contratado para adaptar, as liberdades que esse profissional tomar vão atender ao conceito do diretor. “Se você não quer ver seu livro adaptado, não ceda os direitos. Mas eu acho que a possibilidade de ver sua história pelo olhar de outro artista é sensacional.”

De acordo com o escritor, o problema das adaptações é que muitas pessoas gostam de um livro e vão ao cinema para ver na tela aquilo que a cabeça delas imaginou, não a visão do diretor. Então, acabam saindo decepcionadas. “O que muita gente não entende é que a literatura é outro universo. Posso escrever num livro: ‘Eu estava em São Paulo e fui tomar café em Paris’. Em uma linha resolvo tudo. Agora vai filmar isso…”

Assim, o maior desafio de um roteirista é contar bem uma história, de modo que todos os envolvidos no filme possam perceber o que se espera de cada um deles. “É uma espécie de livro de receitas, mas não é o bolo”, compara Marçal. É preciso deixar o diretor dar sua contribuição, assim como o ator, o diretor de arte, o fotógrafo, o montador. Cada profissional acrescenta um pouco à história.

 

O que é uma boa história?

Marçal Aquino

Antes de responder essa derradeira pergunta, que certamente atormenta muitos aspirantes a roteirista, Marçal Aquino dá uma breve explicação sobre as diferenças entre roteiro de cinema e roteiro para televisão no mercado audiovisual brasileiro.

O roteiro de cinema é algo que geralmente tem muito mais tempo para ser desenvolvido, até pela lentidão no processo de captação de recursos no Brasil. “Isso pode levar vários anos, e nesse tempo o roteiro vai amadurecer. A gente vai visitar locações e acaba se adequando ao que viu. Você mesmo está diferente, seu ponto de vista é outro”, afirma Marçal, que acredita que um roteiro deve circular e ser lido por diversas pessoas, porque só enriquece com esses aportes.

Já o roteiro para televisão se enquadra em um processo muito diferente, com um ritmo de trabalho mais intenso, quase uma linha de produção. Diversos roteiristas trabalham juntos, o tempo de concepção é muito mais rápido. A TV exige do profissional outro tipo de abordagem. Ainda assim, em qualquer mídia, o importante é tentar desenvolver a história de maneira que o espectador possa ser envolvido e, de certa forma, manipulado.

“Uma boa história é aquela que me prende logo na primeira frase. Ela consegue falar comigo, mesmo não tendo sido escrita para mim”, define o roteirista. “É uma história que, quando eu termino de ler (ou ver) estou diferente de quando comecei”, completa. Em suma, para ele, um bom filme é aquele que você não percebe que a pipoca acabou.

Naturalmente, esse critério é subjetivo. “Existe uma coisa pessoal no ato de assistir um filme, ler um livro, que está ligado à sensibilidade. Você tem que se render àquilo que vê”, explica. Marçal brinca que suas experiências no cinema em geral são muita chatas, porque são poucas as tramas que o convencem. “Eu sou aquele cara que não se entrega, não se deixa manipular, que fica vendo de fora. Não consigo desligar. Minha filha odeia ir ao cinema comigo.”

Agora, quando é surpreendido por uma boa trama, Marçal afirma que o prazer de “ser enganado” é muito grande. “Eu gosto de filmes em você vê que houve um trabalho de roteiro. Se na direção de arte, a melhor arte é aquela que você não percebe, no caso do roteiro o melhor é aquele que você sabe que o roteirista manipulou você”, diz o escritor, acrescentando que outra coisa essencial é que o filme tenha bons diálogos. “Às vezes a gente escuta umas coisas que não se ouve em lugar nenhum, só na cabeça daquele roteirista.”

Mas, afinal de contas, o que é uma boa história, na opinião de Marçal Aquino? Oras, quem está escrevendo quer que o leitor ou espectador pense determinadas coisas na ordem em que ele vai revelar. Ele não quer que ninguém saiba nada antes. “Se eu começo a contar uma história, mas você já prevê o que vai acontecer, fracassei como roteirista.” Então, para Marçal, um bom roteiro é aquele que compartilha os fatos na medida certa para surpreender. “Nós vivemos para sermos enganados pelos escritores”, conclui esse grande contador de histórias.

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Professores da AIC – Cadastrem seus e-mails

Professora e Professor da AIC,

Estamos preparando uma NEWS específica para vocês, com informações essenciais para toda a equipe de professoras e professores da escola como, eventos que estamos participando, oficinas em festivais, convites, bolsas de estudo, entre tantas outras atividades que a escola apoia e muitas vezes vocês não ficam sabendo, por isso é muito importante que você atualize seu cadastro. Essa troca será muito produtiva!

Prometemos que não iremos encher sua caixa de e-mails e enviaremos somente informações importantes. =)

Cordialmente,

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A documentarista Emília Silveira fala sobre ditadura, mecânica de produção e os silêncios que precisam ser aguentados

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“Quem quer ser documentarista precisa ter uma curiosidade inata, gostar de cavar, de ir além do que é dito, ter prazer em enfrentar desafios. Esse acho que é o primeiro requisito, falou Emília Silveira durante o bate-papo

Sabe aquelas pessoas que exalam humanidade? Seja pela forma como tratam o próximo, seja pela forma de falar e defender seus ideais, ou ainda pela escolha dos temas que a pessoa trabalha? Essa é a sensação que temos ao ouvir a documentarista Emília Silveira, ela inspira ética e humanidade. Emília esteve no último dia 15 na Academia Internacional de Cinema (AIC) para a 12ª Semana de Orientação. Chegou sem atraso, mesmo com o trânsito enlouquecedor do Rio de Janeiro e trouxe a tiracolo sua assistente e roteirista, Patricia Silveira, a quem sempre recorria para se certificar de uma ou outra informação que repassava.

Antes da entrevista para a comunicação da escola, feita sempre com os palestrantes convidados, ela colocou o microfone de lapela com intimidade e cumprimentou cada integrante da equipe: câmera, fotógrafo, repórter e produtora. Talvez por conta da carreira como jornalista, falou com tranquilidade e eloquência, quase sem precisar das perguntas que preparamos para ela.

“Quem quer ser documentarista precisa ter uma curiosidade inata, gostar de cavar, de ir além do que é dito, ter prazer em enfrentar desafios. Esse acho que é o primeiro requisito. Depois disso você precisa se preocupar com a memória. Não com a memória nostálgica, mas com a memória que é uma dinâmica do tempo presente, a memória que te dá a possibilidade de viver melhor o presente. É entendendo o passado que a gente entende melhor o presente”, falou Emília.

DOCUMENTÁRIOS E A DITADURA MILITAR

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Em “Galeria F”, filme ainda inédito no circuito comercial, exibido no estúdio da AIC, Emília traz novamente a temática da ditadura, algo que já havia feito no seu documentário “Setenta” (2013). Ela conta a história de Theodomiro Romeiro dos Santos, preso político que sobreviveu à tortura e à prisão no regime militar. Em estilo road movie, o documentário foi gravado em sua maioria no interior da Bahia e refaz a rota da fuga de Theo da prisão, ao lado do filho Guga que, pela primeira vez, entra em contato com a verdadeira história do pai.

Também ex-presa política, a diretora conta que só trabalha com temas que entende e acredita. “Minha intenção é ir além dos estereótipos, mostrar a pessoa que se esconde na figura do militante, por exemplo. Com o momento que passamos no país é importante reviver tudo isso em filmes. Não dá para esquecer o que aconteceu no Brasil, o que é um golpe, o que é um regime autoritário, o que é você ser privado de liberdade”, conta.

Emília revelou muitas curiosidades sobre o filme, contou sobre quando conheceu o Theo e chegou a pensar que que não teria filme, pois ele era um personagem sisudo, que não queria muita exposição. Falou sobre como aos poucos foi bolando estratégias para desarma-lo e para retratar parte da história dele. “Foi aí que surgiu a ideia de fazer o caminho da fuga ao lado do filho, ele contando a história para o filho. Outra estratégia foi microfonar o Theo o tempo todo, gravávamos tudo o que ele dizia, mas claro, aí entra uma preocupação importante de quem faz documentário, as questões éticas ao selecionar o que você deve ou não usar no filme”.

MECÂNICA DE PRODUÇÃO

emilia silveira_galeriaF_70A documentarista também revelou como é o seu processo de produção, os parâmetros que segue em cada projeto.

  • Depois da ideia no papel, eu corro atrás do direito autoral da história e/ou do personagem, antes mesmo de falar com o produtor. De nada adianta você querer contar a história e a família ou o personagem não autorizar. Só entro em contato com o produtor depois de ter as autorizações em mãos.
  • Também só conto histórias de algo que eu entenda e me apaixone, aí começo a pensar em referências fílmicas de como quero contar essa história, qual a linguagem, qual o tipo de fotografia, defino tudo isso.
  • Depois disso vem a parte burocrática, mostrar para o produtor e correr atrás dos financiamentos, editais, leis de incentivo etc.
OS SILÊNCIOS PRECISAM SER AGUENTADOS

emilia silveira_galeriaF_70Para finalizar Emília trouxe questões mais poéticas, falou sobre a importância dos silêncios nos filmes, em especial nos documentários. Contou da dificuldade que tem em aguentar os silêncios, esperar as respostas, sem tentar completar o que o entrevistado quer dizer. Mas confessou que aos poucos ela está aprendendo a lição: “Os silêncios precisam ser aguentados. É no branco que o filme funciona melhor”.

Foi assim com a cena de Theo na cela em que ficou preso. O silêncio dominou a cena. “No dia em que a gente gravou, fomos eu, o câmera e o menino do áudio. Entrei no canto da cela e não falei nada. Não perguntei nada, não fiz nada, apenas fiquei quieta, segurando a mão do câmera. E aí, ele fez o que ele fazia sempre: começou a andar, andar, andar e andar”, conta.

E ao fim, depois das perguntas e da última fala de Emília, a plateia, renovada e cheia de gás, saiu entre suspiros e silêncios.

*Fotos Ricardo Aleixo

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Beto Brant fala sobre “Pitanga”, cinema autoral e resistência na AIC - Foto Yuri Pinheiro 8146

Beto Brant fala sobre “Pitanga”, cinema autoral e resistência na AIC

Beto Brant fala sobre “Pitanga”, cinema autoral e resistência na AIC - Foto Yuri Pinheiro 8280*Por Katia Kreutz, Foto: Yuri Pinheiro

Com seu jeito despojado e bem humorado, Beto Brant começa o bate-papo com os participantes da Semana de Orientação na Academia Internacional de Cinema contando que acaba de voltar de Recife, onde estava com o cineasta Cláudio Assis. Do calor pernambucano para o paulistano, a conversa passa por vários tópicos, do fazer cinematográfico à situação política do país.

“Pitanga”

Como introdução, Beto fala um pouco sobre seu novo documentário, “Pitanga”, que acaba de ser exibido com exclusividade na AIC. O longa conta um pouco da história de Antônio Pitanga, um dos maiores atores do cinema nacional, protagonista de filmes importantes de Glauber Rocha, Cacá Diegues e Walter Lima Jr.

Beto Brant comenta sobre o momento político pelo qual o Brasil tem passado, um período pessimista e um pouco desalentador, em que as pessoas sumiram da rua, no qual o discurso de Pitanga – um discurso afirmativo, do negro, da mulher, de resistência – é mais atual do que nunca. “É importante poder falar das coisas que ele fala e ter essa influência, esse poder de afeto, de uma posição íntegra com a vida”, explica.

O cineasta conta que Pitanga vinha sendo esquecido. “Eu acho que até ele estava esquecendo quem era. Andava triste, me disse que esse era seu último voo antes do mergulho. E agora, depois do filme, já o chamaram para diversos trabalhos, ele está com a agenda lotada.” A recepção que o filme tem tido junto às plateias onde foi exibido tem dado novo fôlego tanto para o cineasta quando para seu protagonista.

As palavras de Pitanga, quando o diretor o abordou para fazer o documentário, foram essas: “Eu nunca participei de movimento negro. Eu sou um negro em movimento.” Então, a ideia não foi de filmar o que Beto Brant imaginava que Antônio Pitanga fosse, mas embarcar na jornada dele e conhecer esse movimento. “É uma viagem do artista, reencontrando seu passado e dando a ele um novo significado.”

Uma observação que aflora na conversa, que é algo interessante tanto na fala de Pitanga quanto na maneira como Beto organiza seu filme, é que as narrativas da história dele mostram um pouco da história do cinema. Isso traz à tona uma discussão sobre o abismo que existe, hoje, na política e na maneira como os artistas têm desenvolvido suas narrativas cinematográficas.

Cinema autoral

Beto Brant fala sobre “Pitanga”, cinema autoral e resistência na AIC - Foto Yuri Pinheiro 8200

Beto acredita que “ir para a rua” com esse filme, lembrar que já houve resistência política dentro do cinema, foi uma de suas propostas com “Pitanga”. Combater um pouco esse lado “careta” que a produção audiovisual nacional tem abraçado.

A narrativa dominante no mercado, nos tempos atuais, parece ser a da massificação, de uma linguagem que busca o sucesso de bilheteria. “É tudo muito pobre”, lamenta o cineasta. Na contramão disso, ele busca o fazer cinematográfico como invenção. “O cinema, para mim, sempre foi uma forma de observação da aventura que consigo ter com a vida. Meu enfrentamento direto com a realidade. Uma forma de encontrar quem eu sou.”

A câmera, para Beto Brant, não está a serviço da história, mas sim do olhar do artista. É o cineasta quem escolhe o que vai enquadrar, de que modo quer narrar aquela história, que personagem vai colocar ali. “Tudo é sobre escolhas. E hoje em dia a gente vê muito o olhar sendo colocado em segundo plano, a favor de um mercado, de um negócio”, afirma.

Na época em que Beto Brant começou a fazer cinema, no governo Collor, houve um resgate do cinema brasileiro, mais autoral. “De repente valorizaram nosso jeito de entender cinema. Foi aí que consegui fazer meu primeiro filme”, lembra o diretor. Hoje, ele continua resistindo e se reinventando, trabalhando com parceiros, fazendo documentários e não esperando dinheiro de editais. “A gente tem que fazer um cinema possível, mas livre, sem intervenção”, defende.

Desafios do fazer cinematográfico

Beto Brant fala sobre “Pitanga”, cinema autoral e resistência na AIC - Foto Yuri Pinheiro 8231Perguntado sobre as maiores dificuldades que já enfrentou em sua carreira, tanto criativas quanto de gestão, Beto diz que o problema maior é sempre de financiamento. Ele conta que sempre produziu seus trabalhos, nunca ficou esperando que os outros fizessem as coisas por ele. “Mesmo que você tenha uma produtora, uma empresa pra fazer seu filme, ele vai ficar parado se você não correr atrás.” Esse tipo criador, que faz a produção pessoalmente, pode encontrar canais mais abertos. “Muitas vezes é chato, sim. Mas é necessário.”

Outro desafio está em lidar com a equipe. Tendo iniciado sua trajetória profissional no teatro, Beto explica que é complicado trabalhar em grupo, porque cada um imprime uma vontade diferente, o que muitas vezes gera incompatibilidades e instabilidade. Isso é ruim para um trabalho a longo prazo, como o cinema. “Às vezes demora quatro, cinco anos para um projeto ser concluído. Em cinco anos a cabeça da gente muda, então tem que reinventar o filme.”

De acordo com o cineasta, é preciso muita perseverança para levar a cabo um longa-metragem, incorporando novas ideias e ao mesmo tempo mantendo o projeto vivo. Além disso, todos precisam estar envolvidos na história e unidos na sua realização. A equipe não deve simplesmente ser comandada pelo diretor, mas acrescentar, trazer novas visões.

Leitura da vida

Sobre sua relação com documentários, Beto conta que sua experiência com cinema sempre foi um pretexto para sair, observar a vida, perguntar, entrar onde não deveria, investigar o mundo. Tendo feito muitas adaptações literárias, seu maior desafio era pegar algo que saiu da imaginação de um escritor e não reproduzir aquilo, mas fazer uma nova leitura. “Vou partir desse contexto que ele concebeu e tentar buscar conexões minhas. Então meu olhar está sempre ali. A experiência do cinema está sempre conectada com a minha observação, com o meu movimento na vida.”

Esse olhar para a vida se revela principalmente na edição. “A montagem é a construção de uma sintaxe, de um discurso. Como o escritor usa a palavra, você usa imagens e som. Você tem que ser o primeiro leitor do seu filme. Por isso é que muitas vezes demora tanto”, ressalta. No caso de “Pitanga”, por exemplo, o tempo de montagem foi de um ano e meio. “Foi uma lapidação. Estávamos sem dinheiro pra finalizar, demorou… Foi difícil.”

O longa foi co-dirigido pela atriz Camila Pitanga, filha de Antônio Pitanga. Beto afirma que não apenas o compartilhamento de ideias foi importante, mas a presença dela no set também. “Teve um momento em que ela falou para eu ir sozinho, pois estava muito ocupada com outros trabalhos. Mas eu disse: Como? O Pitanga precisava contar a história dele para a Camila, por isso é que o filme transborda afeto”, explica.

Festa no set

Beto Brant fala sobre “Pitanga”, cinema autoral e resistência na AIC - Foto Yuri Pinheiro 8195

Em certo momento, Beto Brant define o set de filmagem como uma festa, uma rave – o que faz a plateia rir, mas fala de algo muito importante para quem pretende seguir na carreira de diretor de cinema: a gravação é o atelier do cineasta e precisa ser um processo prazeroso. “É o momento da construção do filme, dos planos. É delicioso!”

Beto conta que foi aprimorando um método de trabalho, com o passar dos anos. Primeiramente, sabendo reconhecer a necessidade de agir diferente com atores e não-atores. “O ator incorpora a repetição, vai inventando e arriscando, já o não-ator vai ficando cada vez pior”, explica.

Outra coisa muito importante, para ele, é que a equipe possa fazer uma imersão na locação, realmente conhecendo o ambiente onde irão trabalhar. “Quando começa a filmagem, o set tem vida. Não é gravar um filme e chegar em cima da hora, a arte ficar colocando coisas, o diretor atrasado”, compara. Ele relata que costuma ensaiar com os atores na locação, se possível no horário em que a cena iria acontecer de fato.

“O problema é que muitas vezes o fotógrafo chega com o eletricista e fica querendo colocar refletores”. Ao invés disso, Beto passa o dia no local e vê como a luz funciona. “Não dá para lutar contra a luz”, completa. Segundo ele, o que acontece no cinema tradicional é que uma equipe chega para filmar de manhã, tem várias tomadas para fazer, algumas horas depois a luz é outra e o diretor de fotografia começa a tentar emular a luz do início. “Vira uma agonia! Aí você quer filmar do outro lado e demora mais duas horas pra iluminar”.

Por isso, a estratégia do diretor é escolher as locações de acordo com o horário bom da luz, ensaiar e definir tudo antes. Assim, quando chega a hora de filmar, ganha-se agilidade e a experiência se torna mais gostosa. “Claro que dá pra colocar luz no set, mas não ser escravo dela. O tempo não é o do fotógrafo, da luz, do cabo, do gerador. É o tempo da ação, do ambiente. Por isso é preciso visitar, conhecer e descobrir a locação, criar essa intimidade com ela”, finaliza.

Seguindo em frente

Uma das últimas perguntas dos participantes do bate-papo para Beto Brant foi quase pessoal: “O que te move na hora de escolher uma história para contar?” Com tranquilidade, ele responde que vai procurando, por aí, e acaba encontrando. Atualmente, está trabalhando em um projeto com Marçal Aquino, uma adaptação de um livro do escritor.

Para quem tem uma relação de tranquilidade e aceitação com seus filmes, o jeito é sempre seguir em frente. “Eu nunca me arrependi de nenhum projeto. Quando você faz um filme, ele é você naquele momento. Então eu respeito.” Beto acredita que o cinema é feito de escolhas: o tempo inteiro o diretor está escolhendo quem é, que diálogo é importante para ele. Por isso, o cineasta não abre mão de contar histórias que, de alguma forma, o definam.

E como ele vê o futuro do cinema brasileiro? “A política hoje é outra, vão reduzir bastante as fontes de recursos. Vai ter cada vez mais esse filme negócio, pra TV, séries… Agora o mérito é bilheteria de shopping.” Embora isso desmotive um pouco, Beto vê que essa situação também pode motivar, criar uma vontade ir para a rua. “Nos momentos de crise, a sociedade sempre se manifesta no meio artístico de maneira contundente. Então estou acreditando nos cineastas que vêm por aí, buscando novas maneiras de testemunhar seu tempo”, conclui o diretor, que não pretende desistir dessa busca por uma leitura especial do mundo – uma busca que, no fim das contas, é a verdadeira função do artista.

 

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Marina Person fala sobre desafios da carreira no cinema

Marina Person fala sobre desafios da carreira no cinema

*Por Katia Kreutz – Foto Yuri Pinheiro

Marina Person fala sobre desafios da carreira no cinema“Você precisa estar preparado para fracassar.” Essa foi uma das frases que marcaram quem esteve no primeiro dia da 12ª Semana de Orientação da Academia Internacional de Cinema e ouviu Marina Person contar um pouco sobre sua trajetória como produtora, atriz e diretora de cinema. Pequena e de aspecto até um pouco frágil, a diretora parece se transformar em uma gigante quando começa a falar.

Marina Person é muito conhecida pela “geração MTV”, por sua passagem na emissora como VJ, ao lado de João Gordo e Adnet. Quem foi adolescente nos anos 1990 tirava suas referências culturais daquele canal de jovens, feito por jovens. Trabalhar na MTV na época era equivalente a um emprego hoje no Google, como observou um dos participantes da palestra. Marina contou um pouco sobre sua carreira, lembrou de histórias que ficaram marcadas na memória, mas acima de tudo quis ouvir e conversar com os alunos que encheram o estúdio da AIC numa noite quente de terça-feira.

“Califórnia”

O bate-papo começou com a cineasta contando um pouco sobre seu primeiro longa-metragem de ficção, “Califórnia”, que foi exibido antes da palestra. Ela lembra que suas primeiras anotações foram em 2004 e o projeto levou dez anos para ser filmado. “A inspiração inicial foi minha própria experiência, minha história de adolescente em São Paulo nos anos 1980”. Marina vê elementos autobiográficos em vários personagens, mas uma das coisas que mais gosta no longa é o fato de poder se reconhecer nesse trabalho.

Mas sobre o que é esse filme? A diretora conta que pretendia abordar o momento de abertura política, das Diretas Já no Brasil, em 1984, que foi algo muito significativo em sua juventude – a primeira vez que o país falava em democracia, depois de vinte anos de ditadura. “Eu me lembro da sensação de ir para as ruas. Era uma voz uníssona, todo mundo do mesmo lado gritando a mesma coisa”, explica. 

Outra questão que a cineasta queria abordar no filme era a da AIDS, já que sua geração foi a primeira que iniciou a vida sexual junto com a doença, que era um tabu enorme na época. A AIDS matava extremamente rápido e ninguém sabia o que era, não havia nada a se fazer. Além disso, a doença era muito carregada de preconceito, associada à promiscuidade, cercada de ignorância e falta de informação.

“A Califórnia pra mim era esse sonho, esse lugar de liberdade. A gente ouvia aquele slogan: Brasil, ame-o ou deixe-o. E, por causa da repressão, muita gente saiu do país pra tentar a vida em outros lugares”, continua Marina, para quem a ideia do título do filme veio do pensamento de que, muitas vezes, nossos maiores sonhos acabam não sendo do jeito que imaginamos. Ela cita também uma frase de John Lennon, que serviu de inspiração para o roteiro: “A vida é o que acontece quando você está ocupado fazendo outros planos.” Isso porque quase nunca temos tudo o que sonhamos, mas precisamos ficar atentos para as coisas boas que não estavam nos planos.

Dando vida ao filme

Marina Person fala sobre desafios da carreira no cinema

Ainda sobre “Califórnia”, Marina aborda o trabalho de preparação de atores, já que grande parte do elenco de seu longa era muito jovem e inexperiente. Para ela, foi essencial que eles entendessem a época que estavam retratando– o que era viver sem celular, ter outros jeitos de se comunicar. As cenas de nudez também foram bastante delicadas, já que esse tipo de situação sempre é difícil para todo mundo. “Eu estava com muito medo, mas no final deu tudo certo e a cena de sexo é uma das minhas preferidas do filme”.

A arte de lidar com atores, aliás, foi um dos ensinamentos de Marina Person para o público do bate-papo. Ela lembra de ter participado de uma palestra com Wim Wenders, na qual o cineasta disse uma das coisas mais importantes que já ouviu sobre atores: não existe um ator igual ao outro. Todos são seres únicos, individuais, por isso é preciso ver o que funciona em cada contexto. Alguns atores precisam de muito ensaio, vão esquentando aos poucos e só conseguem dar seu melhor na décima tomada. Outros não podem falar muito antes da cena, dão seu melhor na primeira tomada e depois vão perdendo a energia, não se tira mais nada deles. “Você precisa torcer é para não ter os dois tipos de atores na mesma cena”, ela brinca.

Quanto às músicas de “Califórnia”, Marina explica que todas foram escolhidas por ela e a lista inicial era enorme, por isso a parte complicada foi escolher o que ficaria de fora. O longa tem 15 músicas, 8 delas estrangeiras, todas autorizadas. Cada uma foi duramente batalhada e a cineasta conta que gastou muito dinheiro na trilha, que inclui canções de artistas como New Order, The Cure e David Bowie.

Como todo artista, a cineasta teve momentos de crise criativa durante a produção do filme, especialmente por se tratar de um projeto tão longo. “Eu não aguentava mais aquela história, mas já tinha investido tempo e dinheiro pra colocar o projeto na lei, não dava pra voltar atrás.” O sentimento passou e se transformou em empolgação quando ela encontrou os atores. Afinal, uma coisa é imaginar o filme no papel e outra é estar nas locações, com a equipe de filmagem. A fase de adaptar sua imaginação para a realidade renova o frescor da história.

Cinema no sangue

Filha do conceituado cineasta Luis Sérgio Person, Marina conviveu com o fazer cinematográfico desde muito cedo. Ela sempre pensou que faria cinema, embora não soubesse muito bem se seria atriz, diretora ou fotógrafa. Foi estudando na ECA/USP que realmente teve contato com a obra de seu pai. “Até então, todos me diziam que o trabalho dele era incrível, mas eu desconfiava que eram apenas amigos e familiares contando coisas para uma menina que perdeu o pai com menos de sete anos. Toda a relação que eu tinha com o cinema dele passava por esse lado afetivo. Quando entrei na faculdade e vi que seus filmes eram estudados na escola, tive outra visão”.

Apesar do legado de seu pai, Marina afirma que nunca sentiu cobranças ou expectativas no sentido de dar continuidade à obra dele ou “herdar o talento”, se é que isso existe. Ela teve, sim, dúvidas se deveria realizar o documentário sobre o pai (“Person – Um cineasta de São Paulo”, lançado em 2003). No entanto, acabou percebendo que esse era um filme que somente ela poderia fazer, sobre uma filha privada dessa convivência com a figura paterna. “O filme foi muito importante porque descobri outro lado do meu pai, que eu não conhecia. Foi uma jornada pessoal, que me poupou vários anos de análise”, brinca.

Mulheres na direção

 Marina Person fala sobre desafios da carreira no cinema

Perguntada sobre um tema bastante atual, o da dificuldade de ingresso das mulheres no mercado de trabalho audiovisual, especialmente na direção, Marina observa que, de fato, as pessoas estão começando a perceber esse problema. Por que existem tão poucos filmes dirigidos por mulheres, se as escolas de cinema estão cheias de meninas? O que está acontecendo de errado nesse processo? “Tem muita mulher na produção, algumas no roteiro e montagem. E aí você se pergunta: elas não estão dirigindo por que não estão interessadas? Eu não acredito que seja isso”, afirma. De acordo com Marina, o problema talvez possa estar nas comissões de seleção de projetos dos editais, que são formadas em sua maioria por homens, ou nos próprios festivas de cinema, cujos filmes em geral também são selecionados por profissionais do sexo masculino. “Por que será que, em 89 anos de Oscar, só uma mulher ganhou como melhor diretora? Isso está estranho, não?”

Segundo Marina, quando analisamos os números de profissionais do sexo feminino no cinema, eles falam tudo. E as coisas não precisam ser assim. Filmes dirigidos por mulheres exploram mais temáticas femininas, as personagens são mais interessantes, há mais mulheres na equipe… “No meu próprio filme, todas as cabeças de equipe foram mulheres, mas não foi uma ação afirmativa, simplesmente aconteceu de forma natural. O filme não precisa ser de mulher ou de homem, mas esses números precisam mudar. Se as comissões dos editais de fomento não tiverem 50% de mulheres, a gente vai continuar perpetuando a ideia de que o cinema é uma atividade masculina”, ressalta.

Outra questão está na formação de opinião. Marina observa que, nos grandes veículos de mídia nacionais, não há muitas jornalistas mulheres com cargos fixos. Há décadas as redações são dirigidas por homens e formadas por homens. Ou seja, se não existe uma formação de olhar pela ótica feminina, o espaço da crítica para filmes feitos por mulheres também vai ser pequeno. Para a cineasta, essa cadeia de produção precisa ser revista de ponta a ponta. “Por isso precisamos bater na tecla da igualdade: para equiparar esses números. Não estamos falando de mulher só ver filme de mulher e homem só ver filme de homem. A nossa luta agora é pela igualdade, para termos oportunidades iguais.”

Encruzilhada profissional

Vencendo os desafios do mercado, outra pergunta de muitos estudantes de cinema diz respeito ao que fazer para descobrir que área seguir. Transitando por trabalhos tão diferentes, do documentário à ficção, Marina explica que os caminhos nunca são muito claros. Quando se está começando, há inúmeras possibilidades. Contudo, ela também acredita na versatilidade. “Existe uma tentativa de enquadrarem as pessoas em apenas uma coisa, mas às vezes você é mais do que aquilo. O que eu posso dizer é que você deve perseguir o que gosta, mesmo se depois descobrir que não é bem o que queria”, aconselha.

Marina lembra que entrou na faculdade querendo ser diretora de fotografia, mas acabou desistindo por motivos que, hoje, ela considera errados. Na época, para ser fotógrafo era necessário passar pela função de segundo assistente de câmera, ou seja, a pessoa que carregava as malas pesadíssimas de equipamentos. Embora não exista nada no trabalho do diretor de fotografia que exija força física, ela não sabia que era possível questionar essa hierarquia. Com seu porte pequeno e sem muitos músculos, Marina simplesmente não tinha condição física para essa função, então resolveu partir para outras áreas.

Por isso, também, ela ressalta que sempre é importante tentar. “Só dá pra saber fazendo. Você vai errar, e tudo bem; vai se frustrar, e é isso mesmo. Se decidir que quer fazer outra coisa, mude. Não tem idade para aprender algo novo, começar uma nova carreira. Essa disposição é importante. Não pode ter medo de fracassar, porque o fracasso faz parte. Não se deixe abater, aceite aquilo como uma experiência”, enfatiza.

A liberdade de errar

Para a turma de futuros diretores e meros interessados, Marina Person deixa uma lição não apenas para a carreira profissional, mas para a vida: a gente erra muito mais do que acerta, mas podemos aprender e evoluir com os nossos erros. Em qualquer trabalho criativo, é preciso não ter medo de errar, senão você pensa que aquilo nunca vai estar suficientemente bom para alguém ver. Em tempos que pregam a perfeição, o conselho da cineasta é deixar isso de lado e não sofrer tanto, nem se abater com a autocrítica.

Essa “disposição para o fracasso” foi algo que permeou a fala da cineasta. Mesmo estando no mercado de trabalho há muitos anos, ela sabe o quanto isso é muito difícil, ressaltando inclusive que, muitas vezes, essas são coisas que não se comenta na faculdade. “É óbvio que a gente tem que trabalhar para acertar, mas ter esse compromisso de ser incrível o tempo inteiro é um ponto de partida perigoso”, completa.

Já ao final do bate-papo, Marina explica que a situação do cinema brasileiro anda um pouco incerta, já que ninguém sabe muito bem o que vai acontecer. Os processos são lentos, os fomentos não estão acontecendo, o governo promete coisas e depois não faz. O pior de tudo, entretanto, é sociedade considerar a cultura supérflua. “A gente depende muito de uma consciência da importância da cultura”, reforça. “As pessoas não entendem que cultura é identidade, é nossa história. Se não tivermos isso, a gente vai ser apenas pasto pra soja. Mário de Andrade já dizia que a cultura é tão importante quanto o pão. A gente nunca pode abrir mão de fazer nossas próprias coisas.” Vindas de alguém que vem fazendo sua parte para deixar uma marca no cinema brasileiro, as palavras são um alerta, mas também incentivo e inspiração.

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José Luiz Villamarim fala sobre Redemoinho, sua estreia no cinema

José Luiz Villamarim fala sobre Redemoinho, sua estreia no cinema

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Exibição exclusiva de Redemoinho ontem, na AIC, seguida de bate-papo com o diretor Villamarim

Mesmo com a agenda lotada por conta da estreia de “Redemoinho” nos cinemas, José Luiz Villamarim chegou animado na Academia Internacional de Cinema (AIC) do Rio de Janeiro. Com o estúdio cheio e alunos e convidados sentados pertinho do diretor, a conversa rolou com aquele tom informal já típico da Semana de Orientação – evento que acontece anualmente na AIC e traz cineastas para um ciclo de bate-papos e exibição de filmes.

Villamarim contou sobre sua carreira, projetos e claro, sobre seu primeiro longa que estreou no último dia 9 nos cinemas. “Minha paixão pelo cinema vem desde os meus 15 anos, antes do desejo de trabalhar com TV. Um certo dia, em Belo Horizonte, levado por meu pai, que era fã de Tom & Jerry, fomos a uma matinê de domingo. Só que ao invés de passar o desenho animado, por um problema na cópia, eles exibiram “O Enigma de Kaspar Hauser”, do Werner Herzog. Aquilo foi uma revelação que me deixou perturbado e curioso pelo cinema como expressão artística. A partir daí comecei a frequentar cineclubes e trabalhar com videoarte, mas a vontade mesmo era tratar dos dramas humanas através das imagens. Foi aí que surgiu um contato na Globo onde fui apresentado ao diretor Dennis Carvalho, que me convidou para fazer a minissérie “Anos Rebeldes”.

REDEMOINHO, DIRETOR E PARCERIAS DE TRABALHO

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José Luiz Villamarim, ontem, no estúdio da AIC, conversando com a platéia que encheu o estúdio

Com mais de 18 novelas no currículo, diretor das séries “Nada Será Como Antes” e “Justiça”, José Luiz Villamarim retoma as parcerias dos sucessos “O Canto da Sereia”, “Amores Roubados” e “O Rebu” com o roteirista George Moura e o diretor de fotografia Walter Carvalho. “Redemoinho”, longa de estreia de Villamarim, ganhou o Prêmio Especial do Júri Oficial e o de Melhor Ator para Julio Andrade no Festival do Rio 2016. Também esteve presente no Festival de Havana, na 40ª Mostra Internacional de Cinema, em São Paulo e na 10ª Mostra de Cinema de Belo Horizonte.

O filme, exibido antes do bate-papo, é sobre o reencontro dos grandes amigos de infância Luzimar (Irandhir Santos) e Gildo (Julio Andrade), que cresceram juntos em Cataguases, no interior de Minas Gerais, mas ficaram muitos anos afastados. Luzimar trabalha em uma fábrica de tecelagem e nunca saiu de sua cidade. Gildo mora em São Paulo e acredita ter se tornado um homem mais bem-sucedido. Na véspera do Natal, Gildo chega a Cataguases para ajudar a mãe, Dona Marta (Cássia Kis), a vender a casa da família. Já Luzimar, casado com Toninha (Dira Paes), por quem é apaixonado, tenta guardar de todos um segredo. Mas a volta do velho amigo pode mudar seus planos e lançá-lo em um arriscado acerto de contas.

“Redemoinho fala do conflito e da angustiante dúvida sobre quem fez a melhor escolha: aquele que partiu da cidade onde nasceu ou aquele que escolheu ficar”, define Villamarim. “Gildo sai de Cataguases, mas Cataguases não sai de dentro dele. Também é uma história sobre a amizade e a implosão dos laços de afeto familiares, que traz uma série de questões sobre esse país em transe no qual vivemos nos dias de hoje. ”

Rodado ao longo de dois meses na cidade de Cataguases, na Zona da Mata mineira, o filme é baseado no livro “Inferno Provisório – O Mundo Inimigo” Vol. II, do escritor mineiro Luiz Ruffato.

“O processo de adaptação durou uns dez anos, porque minha carreira avançou na Globo e nunca sobrava muito tempo. Mas nem eu, nem a Vânia (produtora do filme) desistimos durante todo esse tempo. Até que eu me vi prestes a completar 50 anos, e pensei que estava mais do que na hora de fazer um filme”, conta.

O TREM

Questionado sobre o trem que aparece nas cenas do filme e aparentemente “vai crescendo” na história, Villamarim conta que quando conheceu a região onde seriam as filmagens, pensou que a história não poderia ser contada sem o trem.

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Villamarim contou sobre o filme que é sobre o reencontro dos grandes amigos de infância Luzimar (Irandhir Santos) e Gildo (Julio Andrade), que cresceram juntos em Cataguases, no interior de Minas Gerais, mas ficaram muitos anos afastados.

“A locomotiva representa, de alguma forma, um ponto de fuga, a possibilidade da partida, e também com ele sempre volta a passar no mesmo lugar, ele tem um caráter de redemoinho, algo que gira em torno do seu próprio eixo, sem sair do lugar e ao mesmo tempo tragando tudo. O trilho traz as linhas paralelas que contaminaram os enquadramentos. E o fato de o trem passar tão perto da casa dos personagens e de forma tão estridente, passou a ser uma trilha sonora do filme. A linha do trem traz a ideia dos personagens, que querem sair daquele lugar, sair daquele inferno provisório no qual eles estão condenados a viver. A simbologia do trem ganhou uma proporção tal, que cheguei a dizer à produção: se não tiver trem, não tem filme. ”

TV VERSUS CINEMA – AS DIFERENÇAS

Questionado sobre as diferenças da TV e do Cinema, Villamarim citou o livro “Esculpir o Tempo”, de Tarkoviski e recomendou para que todos ali lessem a obra prima do autor. “No cinema a gente tem mais tempo, consegue lapidar, esculpir, tirar os excessos. Cinema é sintaxe. A televisão é repetição, a gente não tem tempo, termina e vai para o ar”, conta.

O papo ainda passou por muitos temas diferentes, como políticas públicas, ANCINE, mão de obra qualificada para o audiovisual, o trabalho com o ator, entre tantos outros, que só quem esteve lá para participar pode ouvir tudo.

Terminou com um conselho para quem está começando. “Sejam sempre inseguros, a insegurança é ótima. A certeza nunca deve ser bem-vinda. Você precisa ser assertivo, saber o que quer e ao mesmo tempo escutar os ‘presentes’ que a equipe traz”.

*Fotos Ricardo Aleixo

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Academia Internacional de Cinema (AIC)
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