Além da Tela: Imersão e Futuro do Audiovisual Marcam Debate na 13ª Semana de Cinema da AIC
Na noite de quarta-feira (6), a Academia Internacional de Cinema (AIC) recebeu a diretora de arte e pesquisadora Monica Palazzo e o artista e desenvolvedor imersivo Alexandre Calil para uma conversa que mergulhou nas possibilidades narrativas da realidade estendida. A mesa, mediada por Elzemann Neves, coordenador do curso Filmworks, fez parte da programação da 13ª Semana de Cinema e Mercado da AIC, cujo tema central é “Novas Fronteiras do Cinema”.
Com uma carreira que atravessa festivais como Cannes, Berlim e Mostra de SP, Monica apresentou os bastidores do filme Dilema, fruto de seu doutorado em Poéticas Visuais na USP. A obra explora o conceito de “direção de arte como um abraço” e trabalha com a simultaneidade de narrativas em um gabinete ficcional onde ora há uma prefeita preta, ora um prefeito branco. “A gente está no centro, a gente é o espelho. Existe um espelhamento. O mundo deles é incompatível, mas está em camadas sobrepostas”, explicou. A narrativa foi pensada para aproveitar as potencialidades do cinema 360, com três graus de liberdade, utilizando fundo verde, maquetes digitais e objetos reais em cena. Monica destacou ainda como a experiência de presença provocada pelo VR pode ser usada para gerar empatia: “A pessoa não pode olhar o celular, não pode fotografar. Ela está ali, presente.”
Já Alexandre Calil, premiado internacionalmente com a obra Tinta & Fogo, compartilhou os bastidores da exposição imersiva criada para apresentar o Parque Nacional da Serra da Capivara a públicos que dificilmente teriam acesso ao local. “A sensação de presença é o que diferencia a realidade virtual. É a tecnologia que mais se aproxima de estar realmente em outro lugar”, afirmou. O projeto contou com técnicas de fotogrametria, modelagem 3D e interatividade com sensores. Calil também comentou sobre a importância de criar experiências imersivas acessíveis e integradas a exposições físicas: “É preciso criar um ritual de entrada. Cenografia, ambientação, uma preparação para os óculos. Isso melhora a recepção da experiência.”
Um dos pontos centrais do debate foi a distribuição e o acesso às tecnologias XR no Brasil. Calil pontuou os desafios do mercado, destacando que a maioria dos dispositivos de realidade virtual ainda é vista como aparelho de gamer. “No Brasil, quem compra óculos de VR são entusiastas de jogos. Isso limita muito a distribuição de obras narrativas. Estamos falando de um público muito específico e ainda pequeno.” Segundo ele, experiências como as realizadas pelo Sesc e por projetos de itinerância no interior de São Paulo têm sido fundamentais para popularizar o uso da tecnologia. “O Sesc leva óculos e experiências imersivas para quatro cidades ao mesmo tempo, durante três meses. É uma ação estruturada com 40 pessoas na equipe.”
Também foram discutidas as definições entre realidade virtual, aumentada e mista. Calil explicou que a principal diferença está na relação com o ambiente físico e na liberdade de movimento: “Na realidade mista, os objetos virtuais interagem com o espaço. Você pode se esconder atrás de uma mesa e o objeto também pode. É muito mais convincente.”
Apesar dos desafios, eles acreditam que a tecnologia, quando bem aplicada, pode nos reconectar ao mundo real. “Ironia ou não, eu acho que a realidade virtual pode nos ajudar a voltar para a presença nas coisas do cotidiano”, disse Monica. “Nos ajuda a reencontrar o encantamento.”
Ao final do encontro, ficou o convite para que o público experimente as obras e acompanhe os desdobramentos dos projetos. Alexandre está preparando a versão 2 de Tinta & Fogo, que será apresentada na França em 2026 e trará novas propostas de acessibilidade, como uma experiência em cadeira de rodas para gerar empatia com corpos não-normativos. Monica segue exibindo Dilema em festivais e encontros acadêmicos. “O cinema continua sendo coletivo. Mesmo quando a imagem está ao redor, a gente ainda está junto.”
A noite foi encerrada com uma provocação que ficou no ar: quais histórias precisam realmente do formato imersivo para serem contadas — e como fazer com que essas experiências cheguem a mais pessoas?
Foto: Raissà Nashla