Academia Internacional de Cinema (AIC)

Gabriel Uchida fala sobre a produção do documentário “O Território”

Texto Estefania Lima
Foto Fernanda Muller

Gabriel Uchida, um dos produtores do filmeO Território” (2022), do estadunidense Alex Pritz, foi o convidado do último dia da 17ª Semana de Orientação da Academia Internacional de Cinema (AIC). Assim como todos os palestrantes que estiveram presentes na AIC ao longo da Semana de Orientação, Gabriel iniciou sua fala contando sobre sua trajetória.

Nascido em São Paulo e radicado em Rondônia, Uchida se considera um contador de histórias. Formado em jornalismo, o produtor contou como seu trabalho de correspondente internacional o levou da cobertura de um atentado terrorista no Curdistão a luta dos povos indígenas brasileiros contra o desmatamento da Amazônia.

Enquanto cobria a guerrilha de mulheres curdas, Uchida pisou em uma bomba e viu muita gente morrer. A situação causou estresse pós-traumático, mas não diminuiu seu desejo por cobrir conflitos. “A adrenalina é uma droga muito boa”, afirmou o produtor, que estava indo registrar o início da Guerra da Rússia com a Ucrânia, quando um amigo lhe chamou atenção para as questões territoriais da Amazônia. Uchida, que na época morava na Alemanha, cancelou seu voo para a Ucrânia e retornou para a América do Sul.

Chegando em Porto Velho – RO, em 2016, começou a registrar as histórias que via. Dois anos depois, passou a filmar “O Território”, documentário sobre a luta do povo indígena Uru-eu-wau-wau contra o desmatamento feito por posseiros ilegais e uma associação de fazendeiros não-originários na Amazônia. O mote era acompanhar os quatro anos do governo Bolsonaro e seus impactos, já previsíveis, na região. “Foram quatro anos de muitas desgraças, as coisas iam acontecendo na nossa frente.”, contou o produtor. Por segurança, e no início também por falta de recursos, as filmagens foram feitas com equipes de no máximo três pessoas. “Nós não queríamos incomodar os indígenas e nem atrapalhar a dinâmica das aldeias. Éramos uma equipe de poucas pessoas e equipamentos.”, revelou.

Sobre a escolha das personagens, Uchida contou que durante muito tempo eles acompanharam uma série de pessoas, para só então, escolherem aquelas com o melhor arco dramático. Mesmo assim, muitas escolhas foram feitas apenas na ilha de edição. A escolha dos invasores das terras indígenas registrados no filme, passou, por exemplo, pela escolha de não vilanizá-los. “A gente não entende os invasores como os criadores do problema. Eles são parte do conflito, de uma estrutura colonial que segue existindo”, relatou, Uchida, lembrando que a mentalidade de exploração e conquista faz parte da cultura da região: “Rondônia tem essa agenda de colonizar o oeste, que a floresta não é nada. Eles realmente se sentem do lado certo da história.”, avaliou.

Já com relação às personagens do lado indígena, a principal preocupação foi com a segurança. A indigenista Neidinha Bandeira, protagonista do filme, por exemplo, precisou ficar exilada e escondida por três meses. Para situações como esta foi criado um fundo de proteção aos envolvidos. Qualquer um das personagens do documentário que se sentissem ameaçados, poderiam, e ainda podem, acessar esse fundo, e ter total apoio da produção do filme para isso. Além disso, os indígenas Uru-eu-wau-wau foram co-produtores do filme e dividiram de forma igual os lucros da venda do documentário para a National Geographic.

Aliás, o caminho para garantir o financiamento de “O Território” aconteceu ao longo dos anos. Uchida e Pritz inscreveram o documentário em incontáveis editais e percorreram diversas cidades do mundo atrás de verba. A virada veio quando, em 2019,  Darren Aronofsky, diretor de “A baleia” (2022), entrou no time como co-produtor. “Como outras pessoas de Hollywood, o Darren está preocupado com as questões climáticas”, contou Uchida, sobre o diretor que arcou com metade do orçamento do filme.

No entanto, o Uchida chamou atenção para a condição de Aronofsky para o investimento: conseguir a outra metade do valor antes. O produtor destacou que o processo para alcançar o fundo passou muito pela rede de contato que estabeleceu, e aconselhou aos alunos que, na medida do possível, frequentem festivais e rodadas de negócios. “Sei que é muito difícil, muito caro, mas são nesses lugares que os negócios acontecem.”, afirmou.

Por último, Uchida ofereceu uma perspectiva sobre o futuro de sua carreira e da situação da Amazônia. O produtor se prepara para o lançamento de um livro de fotografia da Neidinha e dos indígenas Uru-eu-wau-wau, pela Editora N-1, três documentários sobre a Amazônia, e a inauguração de um centro cultural voltado para produção de filmes feitos pelos próprios indígenas Uru-eu-wau-wau. Já sobre a Amazônia, Uchida acredita que o problema é muito mais grave do que se imagina. No entanto, desde a mudança de governo, providências vêm sendo tomadas. “Se a gente pensar na questão do clima, fica com ansiedade climática, ainda assim, eu tento ser otimista.”, finaliza.

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