Academia Internacional de Cinema (AIC)

Você sabe o que é o efeito Kuleshov? Entenda!

Se você acredita que a narrativa de cinema é algo construído apenas pela relação entre atores e diretores, precisa saber o que é efeito Kuleshov.

O sucesso dessa técnica permite afirmar que a edição sugere diferentes sentimentos e ideias para quem assiste a um material, e que isso, até certo ponto, independe da ideia que o ator tentou transmitir nas filmagens.

Leia este artigo até o fim, saiba o que é o efeito Kuleshov e entenda como ele tem sido aplicado no cinema, além de ver a maneira pela qual grandes mestres da sétima arte se apropriaram dessa descoberta!

O que é o efeito Kuleshov

No início do século 20, Lev Kuleshov, à época um renomado cineasta soviético, resolveu colocar à prova sua teoria sobre a montagem cinematográfica. O mundo assistia e se encantava com filmes mudos, nos quais a edição era fundamental para suprir a falta de som.

Kuleshov apresentou um pequeno vídeo a algumas pessoas e depois pediu a elas que o descrevessem. O vídeo mostrava o rosto do ator Ivan Mosjouskine em um close, e ele havia sido instruído a fazer uma expressão facial tão neutra quanto fosse possível.

Ao editar esse pequeno vídeo, Kuleshov utilizava outros três takes intercalados com ele:

O vídeo era posteriormente apresentado a diferentes grupos de pessoas, mas cada uma só tinha acesso a uma das três montagens. Ao fim, essas pessoas tinham que descrever sua impressão sobre a interpretação de Mosjouskine.

Essa impressão acabou sendo moldada pelo que cada cena exibia. Quando o rosto do ator aparecia antes do prato de sopa, as pessoas descreviam sua expressão como sendo de fome. Ao ser apresentada junto da menina morta, tristeza e sofrimento. O terceiro grupo viu libido na sobreposição de Mosjouskine à cena da mulher no divã.

O papel ativo da consciência

Não se sabe se Lev Kuleshov teve contato com a ideia de uma intencionalidade da consciência, cunhada pelo filósofo Edmund Husserl. Seja como for, a cena e a teoria se completam perfeitamente e seus autores são da mesma época.

Para Husserl, a nossa consciência não é uma caixa vazia que vai sendo preenchida por dados da realidade objetiva. Ela atribui sentidos a esses dados de antemão, o que levou o alemão a afirmar que “toda consciência é consciência de algo”. Assim, só é possível falar sobre estar consciente em relação àquilo que a consciência assimila.

Como ele tem sido aplicado no cinema

A conclusão de Kuleshov foi de que a edição é tão ou mais importante para a construção do sentido nos filmes quanto o papel desempenhado pelo ator. Com isso, o que passou a ser chamado de efeito Kuleshov tornou-se uma prática recorrente no cinema.

Mesmo com o fim dos filmes mudos, passamos a ver diversos cineastas usando esse tipo de sobreposição de imagens para transmitir ideias aos telespectadores sem a necessidade de utilizar diálogos, que muitas vezes são considerados recursos pobres e de pouca ação.

E se você acha que se trata de um recurso para plateias intelectualizadas e que não funcionaria no cinema dito “comercial”, está engando. Holywood faz uso do efeito Kuleshov em muitos dos seus filmes mais aclamados.

O que torna a técnica tão eficiente é a capacidade de oferecer recursos narrativos que permitem a apreensão não intelectual da história. Em outras palavras, transmitir uma ideia por meio de voice over ou diálogos apela para o lado racional da plateia.

A apresentação de cenas em sequência, por outro lado, permite dar andamento à trama de um modo mais intuitivo e contemplativo. Muitas ideias são formadas na cabeça dos espectadores, mesmo sem que eles se deem conta disso.

Alguns exemplos do efeito Kuleshov

Como dissemos no tópico anterior, o uso do efeito Kuleshov começou no cinema mudo soviético, mas continuou existindo após a criação do cinema falado. Ele também foi sendo assimilado por outros cineastas ao redor do mundo.

Isso se deve à comprovação empírica que o criador do método impôs à sua criação. Ao propor verificar na prática o funcionamento dessa técnica, Kuleshov deu pouca margem para dúvidas ou inseguranças na sua aplicação em obras maiores.

Alguns cineastas são particularmente entusiastas dessa metodologia. Abaixo, separamos alguns deles e tentamos analisar algumas cenas de filmes famosos que fizeram uso do efeito Kuleshov. Acompanhe.

Alfred Hitchcock

Hitchcok, nas suas correspondências com outro gênio do cinema, François Truffault, admite sua paixão pelo uso desse recurso e o ilustra com diversas passagens do filme “A Janela Indiscreta”, um de seus mais famosos longas.

De fato, o cineasta inglês teve sua obra marcada por narrativas ágeis e pouco calcadas em diálogos. Para que seus filmes sustentassem relações de tensão por longos períodos, Hitchcock sempre lançou mão de sobreposições de cenas. Ele chegou a explicar como o efeito funciona em uma entrevista.

Steve McQueen

Em célebre cena do seu filme “Shame” (2011), o cineasta britânico Steve McQueen coloca o ator Michael Fassbender em um contexto de observação de uma mulher no metrô de Londres. Seus olhos permanecem fixos e sua expressão não muda, mas as alterações na atitude da mulher dão consistência à cena.

Ela se mostra primeiro interessada e, depois, muito incomodada com a expressão do seu observador. O personagem de Fassbender passa das situações de flerte para assédio sem que sua expressão se modifique.

Não é exagero afirmar que o efeito Kuleshov é uma das técnicas de montagem cinematográficas mais importantes de todos os tempos. Dominar essa técnica e aplicá-la criativamente nas narrativas é o papel de qualquer cineasta.

Afinal, o que marca a genialidade dos grandes autores e diretores não é o domínio de várias técnicas, mas a sabedoria para aplicá-las da melhor forma possível e nas situações certas, concorda?

Se quiser compartilhar mais alguns exemplos de uso do efeito Kuleshov, deixe um comentário abaixo. Assim, você ajuda este artigo a se tornar um ponto de partida para ótimas discussões sobre cinema!

Sair da versão mobile