Academia Internacional de Cinema (AIC)

Igor Sales, ex-aluno da AIC e diretor da Imersys – empresa de Realidade Virtual, fala sobre essa tecnologia que só cresce no Brasil

realidade virtual

A Imersys, empresa de Realidade Virtual de Igor Sales, aluno da primeira turma do FILMWORKS – o curso técnico em Direção Cinematográfica da Academia Internacional de Cinema (AIC), começou no final de 2016 com um projeto para lá de bacana.

Nas últimas olimpíadas, Igor e os sócios Mauro Hanzen, Tiago Vignatti e Rafael Gregório desenvolveram uma atração para o Parque Olímpico, onde o visitante tinha a sensação de tocar nas cataratas de Foz do Iguaçu.  As imagens das cataratas eram projetadas em uma cortina de vapor d’água dentro de um ambiente cenográfico. O sucesso foi tão grande que o público encarou mais de 3 horas de filas querendo “tocar” nas famosas quedas.

A partir daí surgiram outros trabalhos, como a apresentação “real” da Usina Hidrelétrica de Itaipu, espécie de tour virtual que permite conhecer em detalhes a usina e seu funcionamento. Depois desses dois projetos, no começo de 2017, nascia oficialmente a Imersys.

“Nada me surpreendeu tanto como a primeira vez que experimentei um HMD (Head Mounted Display ou óculos de realidade virtual). Fiquei chocado diante da percepção do quanto o meu cérebro – que eu considerava treinado – estava sendo claramente enganado dentro de um ambiente virtual. As minhas pernas ficaram bambas e as mão trêmulas. Eu fiquei sem palavras e não queria voltar para a ‘realidade real’. Imediatamente percebi que o potencial desta ferramenta era infinitamente maior do que o da tela plana passiva, e que essa realidade poderia tanto destruir quanto transformar vidas. Foi ali, junto com Rafael Gregório, que decidimos: a partir de hoje é a isso que nós vamos nos dedicar”, conta Igor.

Igor, que esteve na última edição do Rio Content Market para falar do assunto, topou esclarecer para a gente, um pouco sobre o tema, que ainda gera muitas dúvidas. Afinal, o que é realidade virtual? Para que serve? Precisa de óculos? Qual a diferença entre Realidade Virtual e Realidade Aumentada? Confira as respostas e entenda mais sobre o assunto… 

AIC – O que é realidade virtual?

Igor Sales: Realidade Virtual (RV) é um termo cunhado por Jaron Lanier, nos anos 80, para se referir a uma interface de interação humano-máquina capaz de imergir múltiplos sentidos em um ambiente virtual. Hoje a forma mais popularizada de imergir na Realidade Virtual é através de um head-mounted display (HMD), conhecidos como “óculos de Realidade Virtual”, ligados a uma interface computacional. Mas o conceito é mais profundo, com um longo debate filosófico sobre os termos e origens envolvidas. Em resumo, podemos assumir que a Realidade Virtual é uma interface avançada entre usuário e sistema operacional, com o objetivo de recriar ao máximo a sensação de realidade, levando a pessoa a adotar essa interação como uma de suas realidades temporais.

AIC – Para que ela serve? Quais as aplicações mais comuns?

I.S: É impossível delinear as utilidades da Realidade Virtual, ainda mais com os avanços das tecnologias, indústria 4.0 e a era das Startups. O surgimento de novos acessórios e utilidades para a RV são cada vez mais amplos, todos os dias surgem acessórios capazes de aprofundar a imersão, de facilitar a produção e reprodução dos conteúdos gerados para essa plataforma de comunicação.

É possível enumerar grandes usos desta tecnologia e ainda separá-los por históricos e atuais, já que temos um grande salto de acessibilidade tecnológica nos últimos 5 anos.

Para começar, os usos mais antigos estão ligados ao entretenimento. Nos anos 50 o cineasta americano Morton Heilig criou o Sensorama, um equipamento que reproduzia filmes 3D com som espacial, respostas hápticas (relativo ao tato) e até cheiro! Por muitos é considerado o primeiro equipamento completamente imersivo para realidade virtual. Antes dele houveram simuladores militares, óculos estereoscópicos, mas nunca com tamanha complexidade tecnológica.  Nos anos 90 tivemos grandes aplicações para treinamento de astronautas na NASA, na indústria petroquímica, aeronáutica e até na medicina. A questão é que todos estes projetos sempre esbarraram nos altíssimos custos envolvidos tanto no equipamento quanto na produção de conteúdo.

Apresentação “real” da Usina Hidrelétrica de Itaipu, feita pela Imersys, espécie de tour virtual que permite conhecer em detalhes a usina e seu funcionamento.

Em 2012 a empresa americana Oculus conseguiu, através de crowdfunding, aproveitar elementos de avanço da tecnologia mobile e criar a nova geração de RV como a que conhecemos hoje. Eles ampliaram o acesso à tecnologia e produção de conteúdo, que passa a ter seu principal mercado no entretenimento subdividido em jogos, filmes e parques temáticos.

Hoje há uma crescente utilização e procura pela tecnologia na área industrial para treinamento de operações e segurança, além da vasta aplicação na área da saúde e arquitetura. Essa indústria cresce exponencialmente e, se somada a Realidade Aumentada, tem previsão de alcançar um patamar de movimentação econômica que pode ultrapassar os 500 bilhões de dólares anuais em 2025.

AIC – Qual a diferença entre realidade virtual e realidade aumentada?

I.S.: A forma mais simplificada de diferenciar as tecnologias é entender que a realidade virtual permite que o usuário se sinta imerso em um ambiente virtual; já a realidade aumentada projeta objetos virtuais em um cenário real.

Hoje temos outros modelos de tecnologia que compõem o que chamamos de realidades expandidas que, além das duas já citadas, incluem a realidade mista ou misturada e a virtualidade aumentada. As diferenças tecnológicas transitam em uma linha tênue entre os debates conceituais que tentam definir as fronteiras entre estas soluções.

AIC – Para ter experiências com realidade virtual precisa de óculos?

Outras frentes além do entretenimento: VR usada para treinamentos médicos.

I.S.: Os óculos de realidade virtual são apenas uma das formas de imergir em um ambiente virtual, hoje ele é a mais popular e também a mais econômica. Mas temos soluções com cabines, projeções e vários formatos de capacetes que executam função semelhante.

AIC – Como funcionam os óculos e quais os principais modelos do mercado?

I.S.: Um HDM basicamente reproduz imagens de alta definição que, através de uma lente especial, promove um campo de visão amplo ao usuário. Através de sensores, tem seus movimentos simulados em tempo real dentro do ambiente virtual, permitindo que seu ponto de vista no mundo virtual esteja em sincronia com seus movimentos no mundo real.

Existem dois tipos fundamentais de HDMs: o 3DoF (três graus de liberdade), que geralmente funciona com um celular, e o usuário pode olhar para qualquer direção rotacionando sua cabeça em três eixos. Este modelo, como concentra basicamente toda a tecnologia no celular, já possui centenas de fabricantes. O destaque aqui fica para o Google Cardboard como solução mais básica e o recém lançado Oculus Go, da fabricante Oculus, que pertence ao Facebook. Outro modelo existente é 6DoF (seis graus de liberdade), onde o usuário além de olhar para qualquer direção dos três eixos, também tem seus movimentos de locomoção corporal no mundo real capturados e reproduzidos em tempo real no mundo virtual. É a experiência máxima nesta tecnologia, e os modelos que se destacam são os Oculus Rift, HTC Vive e Playstaion VR.

Recentemente a Microsoft vem desenvolvendo a realidade mista, que tem em parte os mesmos recursos da realidade virtual, e entra com força nesta briga através de fabricantes de HDMs parceiros como HP, Samsung, Acer, Lenovo, entre outros.

AIC – Quem são os maiores clientes? Quem está encomendando projetos de realidade virtual?

I.S.: Atualmente o entretenimento é a maior indústria de realidade virtual, com grande destaque para os games, é claro. Mas treinamentos industriais, saúde e educação tem aberto muitas frentes dentro do setor.

AIC – Como será no futuro?

I.S.: A evolução da tecnologia está realmente acelerada, mas é difícil afirmar que em breve cada cidadão terá óculos de realidade virtual em sua casa, ou quantas horas por dia o usuário irá consumir desta mídia. Ainda assim, é possível prever o crescimento exponencial deste mercado, e onde estará o acesso à tecnologia nos próximos anos.

Na área do entretenimento, percebemos uma explosão de Arcades mundo afora. São casas especializadas que permitem que o usuário pague por horas de uso e tenha acesso a tecnologia de ponta, assim como ao conteúdo mais atual disponível, seja ele em jogos ou produções audiovisuais. E a tendência é que, nos próximos anos, essa seja a principal forma de acesso ao mundo virtual pela maioria dos usuários, assim como casas de jogos foram febre nos anos 80 e as lan houses nos anos 90. À medida que a tecnologia baratear, a disponibilidade de conteúdo aumentará e a ideia de colocar óculos em público será mais aceita; aí, certamente teremos um maior número de usuários frequentes.

Mas acredito que é na aplicação prática que teremos o maior mercado de realidade virtual no futuro. Imagine um aluno tendo aula sobre anatomia dentro de um corpo humano, de física no espaço, de história no passado; o estudante de engenharia poder fazer experimentos em casa com um acelerador de partículas; o arquiteto criar e compartilhar seus projetos em tempo real; um médico simular uma cirurgia complexa antes de executar; um operador de rede de alta tensão treinar uma manutenção de alto risco; ou o bombeiro treinar um resgate nas piores condições possíveis. No fundo, tudo isso já é possível. O que falta, no momento, são desenvolvedores para este tipo de projeto. É um mercado muito maior do que podemos imaginar e o maior funil hoje é, de fato, a mão de obra especializada.

AIC – Fale um pouco sobre esse mercado.

Projeto para Itaipu

I.S.: Temos hoje um mercado ainda em formação. Um levantamento recente do XRBR (Hub Brasileiro de x-reality), um hub de desenvolvedores de conteúdo para realidades estendidas, criado em 2018, aponta no Brasil pouco mais de 80 grupos desenvolvendo este tipo de material. Levando em conta a amplitude de possibilidades que temos, é um número extremamente reduzido.

O que costumamos dizer é que hoje passamos por um momento de evangelização da tecnologia. Muitas vezes, nem o próprio desenvolvedor enxerga a quantidade de soluções possíveis utilizando a ferramenta, quem dirá o público final. A maioria das pessoas nunca teve um contato com uma experiência destas, e quando teve raramente foi algo além de uma montanha russa ou um jogo de tiro – o que acaba limitando muito a percepção de como utilizar essas novas realidades.

Estamos apenas iniciando nessa linguagem. O cinema, o rádio, a TV e até os games levaram décadas para encontrar o seu melhor formato. Hoje entendemos sua linguagem e podemos escolher por nos enquadrar nelas ou desconstrui-las. As realidades estendidas, por sua vez, são um campo muito mais amplo, com possibilidades que vão muito além de qualquer mídia passiva ou de tela plana. Mas, à medida que o tempo passar e mais desenvolvedores surgirem, teremos uma construção de linguagem e referências cada vez mais clara e popularizada, permitindo que o próprio mercado comece a ditar os caminhos e as possibilidades da tecnologia. 

AIC – Fale um pouco sobre a aplicabilidade da R.V no entretenimento e no cinema.

I.S.: Parte da essência do cinema e do entretenimento estão em fazer o espectador ou o usuário se sentirem imersos em uma realidade alternativa, utilizando técnicas que iludam os sentidos humanos, brincando com sua percepção cognitiva. Nenhuma outra tecnologia tem tamanha facilidade de fazer isso quanto a Realidade Virtual. Mas isso não torna esta missão mais fácil, pelo contrário, a imersão do usuário é tamanha que se a narrativa não for muito bem construída o resultado pode variar de náuseas ao tédio absoluto.

Não é à toa que os principais filmes e jogos em VR sejam de terror ou montanha russa. A prerrogativa de mal-estar faz com que as experiências pareçam bem executadas, mas na verdade elas funcionam mais para quem observa de fora do que de dentro. Sem contar que raramente alguém irá querer repetir uma experiência destas.

A verdade é que a narrativa de um material imersivo ainda está sendo descoberta, e sem dúvida ela é muito diferente do que conhecemos para a tela plana. Seu potencial de gerar empatia genuína, provocar emoções, compartilhar experiências e sentir-se parte de uma realidade temporal são absolutamente únicos. E os projetos feitos para Realidade Virtual precisam explorar muito bem este poder para aproveitar ao máximo o seu potencial de impacto.

No caso do cinema, não é possível simplesmente transportar um roteiro convencional feito para tela plana para um ambiente filmado em 360º. As métricas narrativas são completamente distintas. Não existe enquadramento, a iluminação, áudio e qualquer elemento são sempre incidentais (ou exigem muita pós-produção para serem retirados), o corte não tem o mesmo papel, o espectador está sempre dentro da cena e quase tudo que funciona para a tela plana perde dimensão quando filmado em 360º.

Treinamento em realidade virtual para área de saúde

Mas quando o projeto é pensado dentro destas perspectivas, o impacto é sem precedentes. Estar em um ritual tribal, em um cenário de guerra, navegando no espaço sideral, no período jurássico ou dentro do corpo humano podem ser experiências incrivelmente realistas em VR, de uma maneira que a tela plana jamais irá alcançar.

A situação não é muito diferente no que diz respeito aos games, porém é fácil perceber quais jogos podem ou não funcionar em Realidade Virtual. Jogos em primeira pessoa, como os de tiro, parecem ter sido feitos para esta tecnologia, mas jogos de esporte ou de RPG ainda não encontraram uma fórmula para os HMDs.

O que é certo é que, como em toda nova tecnologia, com o passar do tempo novas descobertas de linguagem e gênero vão sendo desenvolvidas até que se crie um padrão para esse novo formato. Até lá temos um verdadeiro oceano para aventureiros explorarem e criarem tendências para um mercado que promete ser um gigante do entretenimento em alguns poucos anos.

*Imagens de projetos feitos pela Imersys

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