Academia Internacional de Cinema (AIC)

Djin Sganzerla fala sobre atuação em cinema, novos trabalhos e atrizes que a inspiram

Além do nome mitológico a atriz é filha de duas figuras míticas do cinema brasileiro: Rogério Sganzerla e Helena Ignez. Djin trabalhou em dezenas de filmes nacionais e recebeu o Troféu APCA 2008 de melhor atriz por “Meu Nome é Dindi”, de Bruno Safadi, e o Troféu Candango do Festival de Brasília 2007 de melhor atriz coadjuvante por “Falsa Loura”, de Carlos Reichenbach. Também atuou em “Luz Nas Trevas: A Volta do Bandido da Luz Vermelha” (2010), codirigido por sua mãe e no próximo dia 5 estará em cartaz nos cinemas estrelando o filme “Ralé”, também de Helena Ignez.

Djin, que esteve na Academia Internacional de Cinema (AIC) de São Paulo na Semana de Orientação de 2012, diz que “o bom ator é o ator-criador, aquele que sabe ouvir, sabe trocar e sabe compor o personagem com arte”. Dia 5 de maio a atriz fará palestra especial para os alunos do Curso de Interpretação para Cinema, coordenado por Cristiano Burlan.

Conheça um pouco mais sobre a atriz em entrevista concedida para a AIC.

ENTREVISTA

O que lhe motivou a atuar no cinema? 

Em cena de “O Prefeito” , de Bruno Safadi, com previsão de estreia ainda para esse ano. Foto de Jade Mariane

Djin Sganzerla: Como vim de uma família de artistas, tive um processo interessante, precisei confirmar esta vontade muito forte dentro de mim para ter certeza de que não era algo que meus pais tinham interferido ou me influenciado.  Filha de pais com personalidades fortes e expressivas, herdei este espírito libertário e com uma busca de uma personalidade própria, única.

A possibilidade de poder me transformar completamente em outro ser, de poder mergulhar nestas vidas cheias de riquezas, cheias de cores, desamores, dores, alegrias e sentir que através de mim, do meu corpo, da minha expressão artística eu poderia ajudar a tocar alguém e quem sabe de alguma maneira mobilizá-las de uma forma transformadora. Poder revelar as mil facetas que existem dentro de nós e que muitas vezes não temos a possibilidade de vive-las em uma só vida.

Esse ano você entra em cartaz com um novo filme. Quando ele estreia no cinema e como foi a experiência de fazê-lo?

D.S.: “Ralé”, longa de Helena Ignez, entra em cartaz nos cinemas a partir de 05 de maio. Fazer Nastia, personagem de Ralé, foi um bom desafio. Filmamos em pouco tempo e a diretora fez algumas alterações no texto da personagem, em constante construção. Tinha que estar aberta ao inesperado e a mudanças o tempo todo. Por exemplo, assim que a filmagem acabou começou um grande temporal de verão e percebemos que poderia ser incrível, fui para chuva, o fotógrafo logo começou a filmar e não tive tempo de avisá-la que estávamos já filmando. Comecei a improvisar com o vento, a chuva e um guarda-chuva. A cena ficou tão boa que entrou no filme. Para trabalhar com Helena você precisa estar atenta a tudo e aberta às mudanças, o que só fortalece o ator.

“O Prefeito”, de Bruno Safadi, com quem já trabalhei anteriormente e ganhei prêmios com o filme “Meu Nome é Dindi”, também deve estrear neste ano. O filme acaba de ganhar o prêmio de Melhor Filme Iberoamericano no 34º Festival do Uruguai e teve sua estreia no Festival de Locarno no ano passado. Gosto muito de trabalhar com o Bruno, a comunicação entre nós é rápida e de muita confiança, o que é maravilhoso para o ator. Ele me convidou para fazer a Alma Errante, um personagem meio fantasmagórico, um pouco mítico, é ela quem traz a morte e a destruição do Prefeito. Eu estava em cartaz em SP com a peça “Ilhada em Mim” e filmando no Rio, foram poucos dias de filmagem, numa locação incrível, nos escombros da demolição da Perimetral no Rio, o que só aumentou o desafio para os atores e equipe. O resultado ficou incrível, mas a poeira e as dificuldades da locação foram um desafio bom de ser enfrentado. Filmes com orçamento pequeno, filmados em poucos dias, requerem ainda uma entrega maior, se é que é possível dizer isso, pois cada instante no set é único, são diretores que repetem a cena poucas vezes, dando chance mínima ao erro. Temos que estar 100% inteiros e presentes, mas o resultado é sempre gratificante.

Fiz o filme de equipe e diretor português, “Ornamento e Crime”, de Rodrigo Areias, rodado em Guimarães e arredores, em Portugal. Sou a única atriz brasileira do filme, foi uma experiência ótima, conhecer mais de perto o cinema português e aquele país com um povo e uma cultura muito interessantes. Ornamento e Crime estreou na Mostra de Cinema de SP no ano passado e ganhou o Prêmio de Público de Melhor Filme no 19º Festival Luso Brasileiro em Portugal. O filme do Rodrigo é um filme de gênero, Noir, faço uma “femme fatale” que se revela e vira o jogo no final do filme. Foi uma experiência única, ainda não tinha atuado em filme de gênero. A sedução e frieza juntos são sempre ótimos de trabalhar.

Como você constrói os seus personagens?

D.S.: Cada personagem pede uma forma de trabalhar, com mais ou menos intensidade e aprofundamento. Há personagens mais simples e leves, com menos contradições, que são ótimos também.

Em cena do filme “Ralé” dirigido por Helena Ignez, foto Toni Nogueira

Mas geralmente construo as personagens de dentro para fora, um processo as vezes um pouco longo, mas que geralmente chega aonde estou procurando ir… Sou uma atriz bastante intuitiva e técnica quando preciso ser. Sinto a personagem nas primeiras leituras do roteiro. Dele tento extrair o máximo de informações sobre ela, sua personalidade, seus objetivos, o que a move, tento visualizar como é esta personagem. Depois parto para a parte sutil, o que não é dito, o que é subjetivo, as suas contradições, suas lutas internas, a vida intima da personagem. Construo-a por inteira dentro de mim, esse processo costuma nascer organicamente, uma paixão que me envolve… procuro não decorar o texto, e sim ler tantas vezes que naturalmente irei internaliza-lo, entendendo o que está sendo dito para que ele saia de dentro de mim com a maior verdade, necessidade e cheio de vida interior, como acontece na vida. No set sou bastante concentrada, acredito que essa concentração, essa energia direcionada, imprima de alguma forma na tela.

O set pode ser muitas vezes um local muito ingrato para o ator, quase que contra o trabalho dele, mas se você está ali preparada, inteira e se lança no jogo com o outro ator, algo acontece.

A personagem nasce com a câmera, mesmo nos ensaios, aqueles que fazemos um pouco antes de rodar, são concentrados e intimistas para que no momento da “ação” a “mágica aconteça”. Me lanço, com todas estas ferramentas, com a preparação e com este personagem dentro de mim, no abismo e no desconhecido, para que o inesperado aconteça. Procuro nos personagens o que não é dito, o que não é revelado. E não busco desvenda-lo, mas sim vive-lo, deixa-lo existir dentro de mim.

Quais atrizes ou atores lhe inspiram e por quê?

D.S.: A primeira que me vem à cabeça é a Gena Rowlands, extraordinária, quem sempre me inspira. Sinto esse frescor o tempo todo na interpretação dela, cheia de vida, de perigo, de incertezas, de fragilidades. Ela hipnotiza a câmera, vai fundo na sua verdade, ela é um belo exemplo deste voo incerto, este salto no abismo dentro do mistério de nós mesmos. Sempre me atraí por atores que carregam dentro de si o mistério, talvez o mistério de suas próprias vidas, o mistério da vida.

Giulietta Masina me inspirou muito, acho suas construções de personagens incríveis, cheias de inteligência e força, regada de vulnerabilidade. Ela é outra que sabe enfeitiçar a câmera, sempre com escolhas nada obvias e surpreendentes.

Gosto também de trabalhos bem contidos, por exemplo como nos filmes My Sweet Peperland (Minha Doce Terra Amarga) e Pedra da Paciência, ambos protagonizados por Golshifteh Farahani, atriz iraniana que vive na França. A repressão que as mulheres vivem no Irã está contida no universo destes personagens e na sua composição. São atuações cheias de vida interior e silêncios.

Gosto do trabalho do ator Ryan Gosling, como no filme Drive e Blue Valentine, tipo de ator que trabalha camadas de humanidade no silêncio. Também gosto de Carey Mulligan e outras ótimas atrizes.

Qual o conselho você daria para um jovem ator que está começando a fazer cinema?

D.S.: Vejam muitos filmes, muitos mesmo. De preferência com ótimos atores e diretores. Acredito que ótimas referências ficam na retina, na memória e na imaginação. Muitas vezes assisto a um filme estudando-o, dissecando-o, vendo as opções que o ator fez na composição da personagem. Pode ser uma aula. Estudem muito também, acredito que o ator deva estar sempre em constante aprendizado, mas no início da carreira, quando se tem mais tempo, é o momento ideal para nos lançarmos completamente nisso. Pesquisem técnicas de interpretação, façam o máximo de cursos, leiam sobre o tema, leiam biografias de atores.  O ator precisa dominar o seu oficio, conhecer bem o que ele pretende fazer. Assistir a bons atores, seja no cinema ou no teatro é sempre uma experiência, e não importa a linguagem, você sempre aprende algo se estiver disposto.

E pratiquem, o máximo que puderem, é um excelente exercício ver o seu trabalho na tela. Sejam generosos com vocês mesmos, sem excesso de autocrítica e vejam no que realmente poderiam ser melhores da próxima vez. Assistir ao “video assist” durante a filmagem ou o resultado final sempre foi uma grande escola para mim. Acho que o ator tem que estar em constante movimento e mergulhar no mistério e no inesperado que a criação artística propõe.

*Entrevista feita por Cristiano Burlan – foto em destaque (pb) do filme “Ornamento e Crime” (Jorge Quintela)

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